sábado, 20 de julho de 2013

Ângela


                Sou mineiro, mas carioca de alma e como tal detesto dias nublados como canta a gaúcha Calcanhoto. Mais ainda os dias chuvosos ou garoentos metidos a paulista. No Rio, um dia assim, que nos afasta da rua, da praia, que deixa os botequins vazios e a paquera inviável, é um dia perdido para todos os sentidos.
                No entanto, tenho boas recordações de dias feiúscos e carrancudos que passei na Maravilhosa.
                Num deles eu estava em casa, sábado. Vivia num apartamento que dividia com três amigas, Beth, Lídia e Ângela num cantinho entre o Catumbi e Santa Teresa. Paloma, a filha de Ângela viera passar o fim de semana com a mãe. Éramos os três em casa.
                Ângela, deixe que eu faça um perfil de minha amiga, é um tipo de mulher que só os anos setenta produziu; feminista, no melhor sentido do termo, liberada nos costumes e nas atitudes, Ângela não se furtava, e creio que agora menos ainda, a ir pra cozinha. E é uma fera nos quitutes e acepipes. Dê-lhe duas batatas, um tomate e um copo de vinho que ela prepara um manjar. (E olha que o vinho ela não usa na receita). Idealista é, sem embargo, prática. É também alegre e gentil, mas eu não relutaria em entregar-lhe um comando de operações especiais atrás das linhas inimigas. A mulher é resoluta e firme.
                Bem, nesse dia de que falo, estávamos aí e tínhamos de entreter Paloma, que era pequena. Um passeio era impossível, chovia. Ângela então fez uma festa de aniversário para a boneca de Paloma. Inventou na hora. E foi festa mesmo. Com comidinhas assadas, bolo, docinhos e o escambau.
                Debaixo da pia da cozinha dormiam umas garrafas de cachaça que haviam sobrado de uma festa que tinha rolado na semana anterior. Começamos a debicar as Praianinhas e Pitus enquanto Ângela cozinhava e assava. No toca-discos rolava umas bolachas do melhor daquela época. Lembro-me claramente de um disco do João Bosco que eu ouvi até quase furar enquanto vivi naquele apartamento. Ainda hoje quando escuto aquelas composições de João Bosco e Aldir Blanc, me vem a mais gostosa das saudades.
                Aquela tarde fria e tão pouco carioca foi caindo. Paloma num contentamento de criança acarinhada, Angela e eu na felicidade da amizade e dos vinte e poucos anos. A cachaça barata ia descendo purinha aos goles largos. Matamos três garrafas. O que nos deixou mais ou menos sóbrios foi a presença de Paloma que exigia cuidados e atenção.
                A noite chegou sem muita mudança de luz, tão nublada fora a tarde. Paloma já dormindo e mais um brinde ouvindo Mercedes Sosa, “me gustan los estudiantes”...

                Ah! Angela, que saudade de você, que saudade de mim.

3 comentários:

  1. Eu lembro da Angela, do apartamento, de voce e de de mim...
    Pois e, que saudades, de todos nos, daquele tempo.
    Mas e agua embaixo da ponte, ja foi, passou. Por sorte, esta voce, pra descrever com tanta arte, o passado.

    ResponderExcluir
  2. Por favor, acrescenten os agudos nos " e " e leia de novo.

    ResponderExcluir