sábado, 19 de novembro de 2011

Visita de Manuel

Manuel não tem televisão. Mas isso não quer dizer que não assista televisão. Não que vá a casa alheia para faze-lo. Manuel assiste televisão em público. De uns tempos pra cá todos assistimos televisão em público. Mesmo nós que moramos em cidade pequena onde não há as imensas vitrines das lojas de eletrodomésticos com trezentos aparelhos ligados, assistimos televisão em público. Ela está em toda parte; nos bancos, para que esqueçamos que o atendimento demora mais do que é estipulado por lei, nas lojas de ferragens, para não nos darmos conta que os poucos funcionários estão contando parafusos para algum amante da bricolagem, nas repartições públicas, é claro, senão o que faria toda aquele gente do cabide de emprego, visto que nem sequer há mesas para que todos trabalhem? Mas há coisa pior. A televisão invadiu os bares. Não há boteco onde ela não esteja.
Foi num desses botequins que Manuel assistiu o programa CQC  enquanto aguardava que a chuva desse uma trégua.
No domingo eu tentei não saber o resultado do jogo do Galo para assisti-lo reprisado a 1 da manhã. Foi uma longa espera. Quando faltava meia hora para o início da reprise, ouvi o latido dos cachorros. Era o Manuel que assomava ao portão. Antes de atende-lo  verifiquei o resultado do jogo na internet. Tínhamos vencido. Era crucial este jogo contra o Palmeiras.
Manuel não quis entrar e tão logo tomamos o chão do quintal como assento, me perguntou se eu conhecia o tal programa, se via sempre. Disse que por três vezes havia tentado mas, a vergonha alheia me fizera trocar de canal. Vi-lhe um certo alívio no rosto. Quis saber que tipo de programa era aquele, pois não sabia como classifica-lo. Como temos a mesma idade, mais ou menos, entendi do que se tratava.
Anos atrás os programas de televisão eram divididos em humorísticos, jornalísticos, dramaturgia, infantis, esportivos, etc. Agora é um pouco diferente Há propaganda política nas novelas, humor (negro) nos noticiários, e total falta de graça nos humorísticos. Os programas esportivos falam de economia e os políticos fazem analogias com o futebol. Expliquei-lhe que o programa que ele havia visto era tido como humorístico ou de sátira política, sei lá. _Mas aqueles caras são humoristas ou jornalistas? Perguntou-me. _Nem uma coisa nem outra, respondi. Tive que explicar minha teoria sobre os apresentadores de televisão.
Tudo começa quando o garotinho, que tem uns 4, 5 anos, imita os programas idiotas da tv que está sempre ligada. A mãe acha uma gracinha a imitação do Silvio Santos e do Tiririca. Quando chega a visita a mamãe chama o filho e entre risotas pede-lhe que faça a imitação ou  a dança da boquinha da garrafa. O moleque, que já ostenta as manhas de celebridades, se faz de rogado, mas por fim perpetra a infame demonstração de seu histrionismo. A visita, constrangida sorri e comenta para orgulho de mamãe:_ Que gracinha. À noite, mamãe comentará com papai:_ Fulana morreu de rir com a imitação que o Júnior fez da Lady Gaga. Papai sorri satisfeito. Pronto, está iniciada a carreira de mais um apresentador que por décadas e décadas nos atormentará nas tardes de domingo enquanto esperamos o futebol.
Manuel desqualifica minha tese. O que mais detesta em Freud é esse negócio de meter a mãe em tudo. _E os apresentadores órfãos? Pergunta. _Nunca houve um sequer. Respondo convicto.





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