Um dia, meu pai chegou em casa com
uma lata de leite em pó. Isso foi nos anos 60 e o leite era americano. Era o
leite da Aliança para o Progresso. Estava escrito, em três idiomas, na lata
prateada. Durante algum tempo eu bebi daquele leite. Não só bebi, como o comi,
escondido, às colheradas. Foi a primeira vez que provei leite em pó.
A Aliança para o Progresso foi criada
em 1960 com um sorriso nos lábios e um porrete nas mãos, como disse Ted
Roosevelt, anos antes, referindo-se ao modo como nós, latino-americanos, deveríamos ser tratados. Eram tempos quentes da guerra fria com o caso dos
mísseis soviéticos em Cuba, a tentativa de invasão da Ilha por parte dos
americanos, entre outros ingredientes.
A tal Aliança era, em suma, uma
resposta tosca dos americanos à Revolução Cubana. Uma tentativa de atrair as simpatias
dos latino-americanos que, naqueles anos, se dirigiam para os barbudos
revolucionários do Caribe. Era o sorriso nos lábios, logo seguido do porrete
para os que teimavam em não aceitar a divisão de “um leitinho para você, uma
base militar para mim”.
Depois do leite, vieram os golpes de
estado patrocinados pelo Tio Sam, decerto usando das “sobras” do gigantesco
orçamento da Aliança para o Progresso.
No mesmo ano da criação da Aliança
para o Progresso, outro órgão, dominado pelos americanos, mudava de nome. A
OECE (criada no contexto do Plano Marshall) passava a se chamar OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto a Aliança
tentava mudar nossos hábitos alimentares, a OCDE nascia para traçar os rumos da
economia de mercado ameaçada pelo comunismo de Fidel e pelos governos
progressistas que, em todo o mundo, tendiam para outros caminhos.
Hoje, a OCDE tem 34 membros. São,
quase todos, países ricos exportadores de tecnologia e produtos de alto valor
agregado. É uma instituição do mercado, para o mercado, pelo mercado. Seu
objetivo é desenvolver o mercado, cooperar pelo mercado, pelos interesses de
seus membros enquanto mercados. Sua preocupação nunca foi a educação, pelo
menos no sentido mais amplo.
No entanto, a OCDE faz testes em
jovens de todo o mundo para testar sua capacidade. Capacidade para quê? Ora,
para suprir de mão de obra o mercado. No último desses testes, cujo resultado
provocou reportagens em todos os meios de desinformação do país, nossos jovens
tiveram fraco desempenho. Nossos meninos de 15 anos não souberam resolver
questões práticas como marcar lugares de convidados numa mesa respeitando uma
certa ordem ou comprar passagens de trem mais baratas usando uma máquina
de auto atendimento.
Ora bolas, um menino dessa idade não
organiza jantares, nem pode viajar sozinho. Um menino dessa idade deve aprender
a manejar conceitos, tirar conclusões de fatos, escrever corretamente e
namorar. Mas não é isso o que espera o mercado dos jovens de 15 anos. A OCDE
está pouco se lixando para a felicidade dos meninos. A OCDE os quer práticos, diligentes,
produtivos e prontos para o mercado de trabalho. Engravatados e competitivos.
Muito embora a OCDE nunca tenha se
notabilizado por nenhuma iniciativa no campo educacional, nossa imprensa deu um
enorme peso ao teste aplicado pela instituição em mais de 80 mil jovens em 44
países. Nas TVs vimos as Leilanes Neubarch
da vida, fazendo carinha de inveja pelos altos índices de aproveitamento
dos orientais, estes sim, prontinhos para o mercado de trabalho nos padrões da
OCDE.
Nossa educação tem sérios e profundos
problemas. Não há como negar, mas não é a OCDE e seu teste imbecilizante que
devem servir de parâmetro para o questionamento que devemos fazer sobre o que
devem aprender nossos meninos.
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