segunda-feira, 6 de junho de 2016

A vitrine e o menino





            Eu era um menino de bairro. De um bairro da província. Um dia minha família se mudou pro Rio. Fui morar no Bairro Peixoto, um dos cantinhos mais lindos de Copacabana. Rua Maestro Francisco Braga. Rua sem saída junto a uma praça com chafariz e tudo. O mar eu já conhecia de outra viagem. Meu pai, que era carioca, havia nos levado, alguns anos antes, de férias para a Cidade Maravilhosa onde minhas muitas tias nos receberam e nos passearam sem me dar tempo para o deslumbramento.
            Ainda me lembro das primeiras impressões que tive da mudança. Tudo me parecia muito chic no Rio. A padaria nem se chamava padaria e sim panificadora e no supermercado ( o primeiro em que entrei na vida) as marcas e a quantidade de produtos me deixavam embasbacado. Eu que só comia o pãozinho, a bisnaga ou o pão de meio-quilo conheci o pão de forma que achei a coisa mais sofisticada do mundo. (Ainda que a palavra sofisticada não fizesse parte do meu vocabulário). Havia duas marca de pão de forma: Plus Vita e Pulmam. Minha mãe comprava o Plus Vita, tia Alina, o Pulman. O leite e a manteiga também ofereciam opções. Ou eram da CCPL ou da  Vigor.
            As ruas sempre cheias de gente eram o oposto das ruas calmas e pouco povoadas do Prado e do Calafate que eu aos 8 anos percorria solitário nas tardes mortas de Belo Horizonte. Não havia, pelo que me lembro, nada que me incomodasse naquela Copacabana dos anos 60, pelo contrário. Eu adorava o burburinho, a multidão, os ônibus que comecei a tomar sozinho e que davam carona para os que estavam com o uniforme da escola. Aprendi a dizer garoto em vez de menino e pipa no lugar de papagaio.
            Dentre todos os encantamentos que experimentei nos primeiros tempos de Rio de Janeiro houve um que superou todos os outros. Foi a Galeria Menescal. Tudo era lindo naquela galeria:  as lojas, o piso, as pessoas que passavam com aquele jeito que depois de muitos anos eu aprendi que era um jeito zona sul carioca de ser. Mas não era só isso. A última loja, do lado esquerdo para quem descia da Barata Ribeiro para a Av. Nª. Sª. de  Copacabana, era uma floricultura que além dos buquês, coroas e todo tipo de arranjos florais tinha uma vitrine da qual escorria água. Toda ela. Do alto até quase ao piso a água escorria sem parar por entre dois vidros turvando a visão do interior da loja. Era uma beleza, uma espécie de mágica, coisa de filme. Dava vontade de tocar a água intocável, de bebê-la. Na volta da escola eu caminhava uns quarteirões a mais só para passar por ali.
            Nunca deixei de gostar da galeria e da vitrine molhada da floricultura. Mesmo quando já não havia o encantamento do menino, havia a alegria de lembrar de ter sido menino e encantado. Uma noite, já rapaz, passei pela Galeria Menescal. Estava com ela, caminhávamos de mãos dadas. Eu olhava o piso e sentia o cheiro de mar que vinha de seus cabelos. Estava apaixonado e feliz. Naquela noite, em frente à vitrine da floricultura meu coração voltou a ser de menino.

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