Pensemos num jovem casal. Um dos
cônjuges ganha, líquidos, 1100 reais, o outro 800. Pelos padrões vigentes eles
formam parte da nova classe média. Pagam seu aluguel no apartamento modesto e
distante, comem todos os dias, pagam as prestações da geladeira e da máquina de
lavar. Com o que sobra se vestem e calçam o garoto. Têm sorte, conseguiram uma
creche pública onde deixam o filho mas como o horário não é totalmente compatível
com o das duas conduções que tomam para voltar do trabalho, é a avó quem busca
o menino e o leva para casa até a chegada deles. Têm sorte, a sogra mora perto.
Alem dos planos e sonhos eles
têm muita coisa em comum inclusive a paixão pelo mesmo time. Desde os tempos de
namoro que cultivam o hábito de irem juntos ao estádio uma vez por mês, quando
sai o pagamento de um deles. Gostariam de comprar a camisa do clube para
poderem fazer o gênero parzinho de jarros mas não dá. Cada camisa custa, na
promoção, 190 reais. Tem umas genéricas no camelô mas não agüentam nem duas
lavadas. A camisa que ele tem, ganhou numa rifa cinco ou seis anos atrás e já
está desbotada e cheia de furinhos. Até o banco que patrocinava o time naquela
época, já foi comprado por outro. Ele só a usa em casa para chatear o cunhado,
que é adversário, quando este o visita.
Quando vão aos jogos usam roupas
com as cores do time. Ele bota uma camisa branca, leve e confortável. Ela, uma
calça preta que valoriza sua brasilidade. Sempre que seu time ganha, eles pensam
em comprar as camisas oficiais mas 380 pratas fica salgado. Com essa grana poderiam
pagar 6 meses de tv a cabo ou comprar aquele plasma que um colega de trabalho
está vendendo por 500. É usado, a origem é incerta mas é da melhor qualili e só
faltariam 120 que poderiam ser pagos no outro mês.
Claro que as camisas eles
poderiam parcelar no cartão mas quando terminassem de pagar os uniformes já
teriam passado por umas 40 lavadas. É por essas e outras que esses fiéis
torcedores não têm a camisa de seu time do coração.
Mas por que não existe no
mercado uma camisa que caiba no orçamento do nosso jovem casal e dos milhões de
torcedores iguais a eles? Porque nossos
dirigentes não enxergam um palmo alem do nariz. Pensam que como existe um
grande número de otários que lhes compram as caríssimas camisas, podem
desprezar milhões de consumidores que qualquer empresa cobiça.
Os licenciamentos de produtos que
fazem são lucrativos apenas para os licenciados. Não se entende como esses
homens que comandam os clubes possam ser tão bem sucedidos em seus negócios
particulares se nem sequer sabem ler os números mais gritantes. Há pouco tempo
uma revista ou um jornal, não me lembro bem, encomendou uma pesquisa para
aferir qual o time mais querido do país. Fizeram como é feito nas pesquisas de
intenção de votos e publicaram o resultado. Acontece que nas pesquisas
eleitorais todos os entrevistados são eleitores e os números obtidos são
ampliados para o quadro de eleitores inscritos na justiça eleitoral. Alem do
mais o voto é obrigatório. Quando os institutos de pesquisa querem, o resultado
dessas consultas se aproxima muito do resultado das urnas. No caso da pesquisa
futebolística, foram entrevistadas pessoas de certa idade para cima e os
números coletados foram ampliados por toda a população brasileira. Hoje os
flamenguistas menos críticos vivem dizendo que o time da Gávea tem mais de 30
milhões de torcedores. Ora, se fizermos as contas descobriremos que no Brasil
deve haver, com muito boa vontade, entre 80 e 90 milhões de torcedores. Se o
Flamengo ficasse com 30 milhões deles, haveria times com torcida negativa. O
América carioca, por exemplo,deveria estar na casa de –1 milhão de adeptos.
O resultado da pesquisa deveria
ser considerado uma brincadeira e só o Rui Castro levaria a sério. No entanto
ouvi de Márcio Braga, figura sempre influente no Flamengo, a citação da
pesquisa como fato. Braga, que já dirigiu o clube várias vezes, ao super dimensionar
o número de adeptos nunca poderia fazer os negócios que seriam lucrativos para
seus cofres.Seus produtos licenciados encalhariam nas prateleiras. Com meu time
passou o inverso.
Quando fomos para a segunda
divisão, começamos mal a competição e em determinado momento estávamos mais
próximos da terceira do que da volta à elite. A torcida resolveu carregar o
time nas costas e o Mineirão lotado entoava o grito de “vamos subir Galo, vamos
subir Galo”. Faltando poucas rodadas para confirmar a volta à primeira divisão,
a diretoria que contava com um banqueiro à cabeça, mandou confeccionar uma
camisa com os dizeres que a torcida entoava. Em seis horas acabou o estoque do
produto. Haviam subestimado a própria torcida, alem, é claro, de agirem a
reboque dos fatos e não dirigindo-os. Deixaram de colocar nos cofres do clube 3
ou 4 vezes o lucro obtido com a venda das camisas.
O Palmeiras que até pouco tempo
era comandado por Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos grandes economistas do país, hoje faz
vaquinha para contratar um jogador. A atual diretoria não gosta do termo
“vaquinha” e prefere usar eufemismos. O pior é que querem dizer que tudo é
muito moderno e a “intera” é feita com cartão de crédito, pelo computador.
O rival, o Coríntians, enquanto
constrói seu estádio com empréstimo do BNDS que jamais será pago, vende em sua
loja toda espécie de cafonice com o emblema do clube, tem até uma geladeira que
custa 3 ou 4 vezes mais que uma igual, vendida em lojas especializadas sem o
escudo mosqueteiro.Todos os artigos da loja são caríssimos e seu gerente deve
estar satisfeitíssimo com as vendas, talvez. O certo é que um dos clubes mais
populares do país não faz caso de seu maior patrimônio: a fiel torcida.
Sou capaz de apostar que o
Itaquerão terá grande parte de suas dependências tomadas por camarotes e outros
locais nobres deixando o restante para domínio dos imbecis das organizadas, que
alem de não pagarem o ingresso, tornam impossível a vida de torcedores comuns e
fiéis. Mesmo utilizando um próprio do município, o Pacaembu, o time de Parque São
Jorge já vende seus ingressos para a Copa Libertadores por preços exorbitantes
e em jogos dos campeonatos locais também cria seus cercadinhos de ricos. O
resultado é que jogam para uma assistência ínfima se tivermos em conta o
potencial da torcida.
Todos os “entendidos” são
unânimes em afirmar que a venda de ingressos representa pouco para as finanças
dos clubes. Então por que alijar os torcedores mais pobres de seus estádios?
Acontece que a renda advinda das bilheterias não é tão desprezível assim. Se um
time joga duas vezes por mês em casa, poderia faturar 800 mil reais brutos se
contasse com um público de 20 mil pessoas pagando um ingresso de 20 reais. Num estádio
próprio do clube poderia sobrar mais de 600 mil cada mês, 6 milhões cada ano.
Quanto paga a Libertadores em prêmios?
Ninguém fala mais em construir
estádio próprio e faturar pela bilheteria. Nem se fala mais em estádio, o nome
agora é “arena multiuso”. Qual a diferença? Basicamente, nenhuma. Mas quando
dizem “arena” querem dizer que vão alugar suas dependências parta o Edir Macedo
e o Justin Bieber. Qual a novidade? Isso sempre foi feito nos estádios
tradicionais.O Sinatra cantou no Maracanã no século passado. Muitos dirigentes
falam em atrair negócios para dentro de suas arenas. Mas como atrair
investimentos para lugares que ficam vazios mesmo em dias de grandes jogos? Não
é o shopping ou os cinemas que atrairão torcedores para o estádio, senão o
inverso. Torcedores fiéis e presentes nas competições esportivas é que tornariam uma “arena”em local atrativo para os negócios.
Mas como trazer de volta os
torcedores que nos anos 50, 60 e 70 esgotavam ingressos de estádios muito
maiores que os de agora? (Sim, porque os estádios encolheram. O novo Maracanã
terá capacidade máxima para 89 mil torcedores.) Creio que o primeiro passo
seria uma nova estratégia na negociação com a televisão que hoje, através da
compra dos direitos de transmissão, manda e desmanda no futebol. Impõe horários
incompatíveis, determina fórmulas de disputa, como acontece com os estaduais e
usa sua grande equipe de paus mandados para dizer ao torcedor o que é
importante ou não nas competições. Claro que o interesse da tv não é encher
estádios e sim vender publicidade durante as transmissões e pay per view nos
canais fechados. Estádio vazio é sinal de lucro maior para a emissora, e maior
submissão dos clubes aos seus interesses. As negociações deveriam ser feitas
pelo conjunto dos clubes que teriam inclusive o poder de negar o direito de
transmissão à emissora dominante e vender barato à outra menor,
desestabilizando através do horário dos jogos, a grade de programação da todo
poderosa. Alguns poucos anos de sacrifício seriam suficientes para pressionar e
virar o jogo em favor dos clubes. Vendendo menos jogos se valorizaria o
produto.
Outra medida a ser tomada é no
campo legislativo. Se houvesse uma lei que dissesse que iniciada uma competição
os atletas que nela estivessem inscritos só poderiam se transferir de clube ao
final da mesma, o torcedor se sentiria mais seguro para adquirir carnês de
ingressos para toda a competição injetando algum dinheiro no clube mesmo antes
de iniciar-se a disputa. A fidelização do jogador levaria à fidelização do
torcedor. Nenhum jogador teria ferido seu direito de jogar onde bem entendesse
mas teria de assumir compromisso contratual mais seriamente.
Mas voltando ao nosso jovem
casal. Seu filho vai completar seis anos e já vê os jogos do time dos pais com
grande interesse. Ano que vem ele poderia levar para a escola seu caderno que
teria na capa um enorme emblema do time que já começa a entrar em seu coração. Na
contracapa ele teria, logo abaixo da letra do Hino Nacional a letra do hino do
clube. Seus lápis e borracha também poderiam ter o escudo. Nos fins de semana
poderia levar para a praia sua bola que falaria de seu time através do brasão estampado.
Mas nada disso há no mercado. Os times de futebol não fazem bolas de futebol
com seu símbolo, nem cadernos, nem nada. Ninguém tentou um negócio com a São
Paulo Alpargatas para que fossem produzidas sandálias Havaianas com cores que
lembrassem um time.
Não, embora cadernos e sandálias
de dedo sejam vendidas aos milhões todos os anos, nossos clubes não se
interessam por essas ninharias. Preferem vender ingressos e geladeiras
caríssimos para os que podem gastar e falar de engenharia financeira enquanto
fazem uma vaquinha ou tentam convencer a Caixa Econômica a criar mais uma
loteria que possibilite o pagamento do que devem ao INSS.
Mais prático, Diego vai mesmo
comprar aquele plasma da melhor qualili. Mais econômica, Suelem vai continuar
indo ao estádio com sua calça preta fazendo reclame do Brasil e o Júnior já
pediu o caderno do Bob Esponja.
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