Alguns anos atrás, enquanto
esperava a transmissão de um jogo do Galo pela tv, eu assistia pacientemente os
comerciais. Apareceu na tela um novo modelo de carro que eu deveria comprar
porque tinha um motor potente que ia de 0 a 100 em poucos segundos e um desenho
inovador e aerodinâmico que fazia toda a diferença nas curvas de alta
velocidade. Logo me vi dentro do confortável bólido sob o olhar cobiçoso dos
outros motoristas no engarrafamento da marginal Tietê. Pelo menos 45 minutos de
pura admiração e inveja. A seguir uma moça me ofereceu uma gelada acompanhada
de uma promessa velada. Seria por causa do meu carrão? Acho que não, a moça com
a latinha de cerveja tinha o olhar inocente de uma Eva renascentista. Toda ela
feita de uma pureza que mal cabia no bikini.Não, não era uma Maria gasolina
Quando já pensava em sair do carro e ir até a geladeira buscar a moça e a
gelada, uma voz de locutor hiperativo me convidou ao maquidonaldi.
O comercial de hambúrgueres me
fez pensar na globalização. Vendo aquela gente branquíssima, sorridente e bem
alimentada eu imaginava quantas pessoas no mundo estariam vendo aquele mesmo
anúncio. Pois estava claro que era uma dessas peças publicitárias que são
produzidas em algum país central e reproduzidas por todo o mundo. De onde seria?
Não era americana pois nos Estados Unidos eles sempre mesclam, nas
publicidades, diversas etnias para evitar o rechaço de algum ruidoso grupo
minoritário ao produto anunciado. Também não devia ser dos países nórdicos. Lá,
um negro agrega valor e charme à mercadoria, alem de fotografar muito bem sob a
luz boreal. Não era eslava. Talvez do mediterrâneo. Sim podia ser. Mas algo,
algum signo me fez ver que aquele comercial havia sido produzido aqui mesmo.
Mas cadê os brasileiros? Nem em Santa Catarina se vê tantos brancos juntos num
maquidonaldi. Onde estavam os negros, os mestiços, os mulatos, os morenos, os
caboclos, os cafuzos, os mamelucos que encontramos nas ruas? Ali não estavam.
Talvez o produtor do comercial não freqüentasse lanchonetes ou, quem sabe,
preferisse as do Mediterrâneo.
O que me chamou a atenção, de
certo foi notado por outros e na campanha seguinte, algo mudou. Uma oriental
fazia o papel de loura burra e se dizia confusa com as ofertas e a
possibilidade de se trocar um acompanhamento por outro sem alterar o preço da
iguaria principal. Havia também três negros, mas eles não saboreavam as
delícias gastronômicas da famosa casa de pasto. Vestidos à moda dos anos 70,
com cabelos no estilo “black power”, faziam uns passos de dança no fundo da
cena. Em outro comercial da mesma campanha, uma jovem senhora, com pinta de
executiva, está dentro de um táxi e o motorista, que também não desfruta dos
manjares oferecidos pelo restaurante, balbucia algo que não tem nada a ver com
hambúrgueres nem com nada. Está fazendo papel do povo.
Certa vez escutei de um
publicitário que detinha a conta de uma marca de automóveis que ele não punha
negros nos seus anúncios porque os negros não podiam comprar aqueles carros.
Pode ser que a cínica explicação fizesse algum sentido décadas atrás, hoje não
faz mais. Grande parte dos milhões de brasileiros que saíram da pobreza nos
últimos anos, é composta por negros e mestiços. Então por que a loja que vende
sanduíches os despreza como agentes de publicidade e consumidores? Imagino que a explicação deva estar contida em
algum estudo que mostra que negros não se identificam com negros e pobres não
querem ver pobres na tela de sua tv. No apêndice desse estudo possivelmente
está escrito que mulher não vota em mulher.
A presença negra nos comerciais
de tv ainda é mínima e está mais evidente nos anúncios de instituições públicas
como a Caixa Econômica, o Banco do Brasil e a Petrobrás. Engraçado é que só me
dei conta da desproporção entre negros e brancos na publicidade brasileira
quando fui ao Paraguai nos anos 80. Se nas ruas de Assunção os indígenas eram
imensa maioria, na televisão paraguaia era diferente e todos eram brancos de
olhos claros como seu ditador de então, cujas fotos, espalhadas por toda
capital, mostravam-no com os olhos em todas as tonalidades do azul de acordo
com quem havia retocado o negativo. Eu estava tão acostumado com a brancura de
nossa televisão que foi preciso sair daqui pra cair a ficha. O ridículo alheio
me fez ver o nosso.
É de se esperar que a busca
pelos novos consumidores e a perspectiva do lucro que a nova classe média trará
para o empresariado que saiba conquista-la, acabe por anular o preconceito
racial e de classe presente na publicidade brasileira.
No entanto esse dia ainda está
longe como nos sugere o comercial da Faber Castel alusivo à volta às aulas No
anúncio veiculado num canal infantil da tv por assinatura, vê-se uma sala de
aula Os alunos estão em plena balbúrdia antes da chegada do professor. Um
garotinho chama a atenção não só por ser o mais focalizado no filme como por
sua cor que é de um branco difícil de descrever. Algo assim como um sueco que
ficou de molho na água sanitária. Mas o que realmente impressiona é que toda a
turma é composta de crianças brancas. Creio que mesmo na escola mais elitista
do Brasil não haja tantas numa só classe.
Para os caras vendem lápis, que é o mais simples e barato dos utensílios escolares e todas as crianças os levam nas mochilas, não cabe a explicação do publicitário que queria vender carros de luxo. Mesmo que eu estivesse seguro que a propaganda se dirige apenas às classes altas da população porque os governantes estão dando o material escolar básico a todas as crianças das escolas públicas, ainda assim a ausência de crianças negras e mestiças no comercial me pareceria odiosa. Não pode haver razão de mercado que justifique a exclusão. Não se pode plantar no imaginário das crianças das classes abastadas que seu mundo será composto apenas pelos de sua cor e raça. Não se pode impingir à sociedade a ideia do gueto intransponível.
Para os caras vendem lápis, que é o mais simples e barato dos utensílios escolares e todas as crianças os levam nas mochilas, não cabe a explicação do publicitário que queria vender carros de luxo. Mesmo que eu estivesse seguro que a propaganda se dirige apenas às classes altas da população porque os governantes estão dando o material escolar básico a todas as crianças das escolas públicas, ainda assim a ausência de crianças negras e mestiças no comercial me pareceria odiosa. Não pode haver razão de mercado que justifique a exclusão. Não se pode plantar no imaginário das crianças das classes abastadas que seu mundo será composto apenas pelos de sua cor e raça. Não se pode impingir à sociedade a ideia do gueto intransponível.
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