Nos anos setenta, o governo ditatorial promulgou lei que
impunha restrições à imigração no Brasil. O objetivo do diploma legal era
dificultar a entrada de padres católicos estrangeiros, ligados à Teologia da
Libertação. Alguns desses padres vinham dando muito trabalho à ditadura, e
prendê-los e torturá-los não era tão simples quanto prender e torturar
sacerdotes nacionais. Claro, que não se fazia no texto legal, nenhuma alusão
aos clérigos, afinal não se podia entrar em choque com o Vaticano. Portanto,
tinha a lei, um aspecto mais genérico, mais abrangente.
Nossa ditadura, assim como as outras do continente, além da
brutalidade e boçalidade inerentes a esse tipo de governo, também tinha seu
traço de comédia bufa. Tanto é assim, que o encarregado de pôr em prática a nova
lei de imigração era o Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel, filho de imigrantes.
Estivesse em vigor, sessenta anos antes, a lei que Abi-Ackel tinha o dever de fazer cumprir, seus pais não poderiam ter vindo para o Brasil.
Estivesse em vigor, sessenta anos antes, a lei que Abi-Ackel tinha o dever de fazer cumprir, seus pais não poderiam ter vindo para o Brasil.
Hoje, em plena democracia, dá-se algo muito parecido.
Refiro-me a Yoani Sánchez.
Temos lido e ouvido na grande (?) imprensa, que a moça é
impedida de expor suas opiniões em Cuba. Seu blog é censurado e, segundo o que li,
ela tem de mandar mensagens para amigos fora da ilha, para que estes
postem sua valiosa interpretação da realidade cubana. Aqui, pouco se fala do
teor de suas críticas ao regime, mas da falta de liberdade de expressão em seu
país. Contam que Yoani já foi presa pelo simples fato de se opor ao governo
socialista. Não duvido de nada disso, mas se alguém me dissesse o contrário,
também não poderia refutar.
No Brasil, o governo não impede ninguém de escrever o que
bem entende em blogs, jornais ou revistas. Jamais alguém será preso por emitir opiniões em
nosso país. Mas cuidado, aqui se está cultivando o hábito de matar esses
incômodos boquirrotos.
Em dezembro de 2011, foi encontrado morto em sua casa, em
Palhoça (SC), um desses escritores de blogs. Mosquito, como era conhecido,
afrontava os políticos e poderosos locais com várias denúncias, desde corrupção
até estupro.
A notícia sobre sua morte no Terra notícias, tinha por
título: “SC: com 30 ações na justiça, blogueiro polêmico é achado morto.” Para juntar-se à estranheza do cabeçalho, que
antes de anunciar a morte, tenta desqualificar a vítima, encontramos no corpo
do texto que “há indícios de que ele tenha cometido suicídio”. Mesmo antes do laudo pericial, a
valorosa polícia de Santa Catarina e esse órgão de imprensa, já apontavam
indícios.
Talvez a morte de Mosquito tenha sido mesmo por suicídio. As
ações na justiça, a retirada do ar de seu blog, por decisão judicial, e as
ameaças que vinha sofrendo, talvez tenham conseguido seu objetivo: calar o
ativo denunciante.
Em Vassouras (RJ), o jornalista Mário Randolfo foi seqüestrado e assassinado com disparos na cabeça. Mário já havia sofrido
3 atentados contra sua vida, mas as investigações sobre esses fatos antecedentes
à sua morte, não foram investigados pela polícia. A mesma polícia que investiga
seu assassinato. Assim como Mosquito, Mário Randolfo também denunciava gente
graúda e suas maracutaias.
Nossa imprensa, tão preocupada com a falta de liberdade de
expressão em Cuba, pouco falou dessas mortes ocorridas aqui, em nosso país, em
nosso quintal. Não quis ver nessas duas mortes, uma ação para calar os que se opõem
aos escusos interesses de políticos e outros poderosos. Não viu indícios de
intimidação àqueles que trilham pelo caminho da desconformidade com a
intolerável realidade da roubalheira e impunidade dos detentores de gordas
contas bancárias em nosso país. Não vimos nos telejornais, as expressões
indignadas dos jornalistas de aluguel como ocorre quando o assunto é a falta de
liberdade de expressão em Cuba. Não houve editoriais clamando pela queda de
ninguém, sequer de um mísero delegado relapso ou comprometido.
Quando disse que o que se passa hoje é parecido com o que
ocorria na época da ditadura, creio que me expressei bem, afinal parecido não é
igual. O caso do ministro, filho de imigrantes, opondo-se a entrada de
imigrantes no país, é um paradoxo, uma contradição. Falar da falta de liberdade de expressão em
Cuba e calar-se diante de assassinatos de jornalistas aqui, é canalhice.
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