domingo, 24 de fevereiro de 2013

Liberdade de expressão



                Nos anos setenta, o governo ditatorial promulgou lei que impunha restrições à imigração no Brasil. O objetivo do diploma legal era dificultar a entrada de padres católicos estrangeiros, ligados à Teologia da Libertação. Alguns desses padres vinham dando muito trabalho à ditadura, e prendê-los e torturá-los não era tão simples quanto prender e torturar sacerdotes nacionais. Claro, que não se fazia no texto legal, nenhuma alusão aos clérigos, afinal não se podia entrar em choque com o Vaticano. Portanto, tinha a lei, um aspecto mais genérico, mais abrangente.
                Nossa ditadura, assim como as outras do continente, além da brutalidade e boçalidade inerentes a esse tipo de governo, também tinha seu traço de comédia bufa. Tanto é assim, que o encarregado de pôr em prática a nova lei de imigração era o Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel, filho de imigrantes.                      
Estivesse em vigor, sessenta anos antes, a lei que Abi-Ackel tinha o dever de fazer cumprir, seus pais não poderiam ter vindo para o Brasil.
                Hoje, em plena democracia, dá-se algo muito parecido. Refiro-me a Yoani Sánchez.
                Temos lido e ouvido na grande (?) imprensa, que a moça é impedida de expor suas opiniões em Cuba. Seu blog é censurado e, segundo o que li, ela tem de mandar mensagens para amigos fora da ilha, para que estes postem sua valiosa interpretação da realidade cubana. Aqui, pouco se fala do teor de suas críticas ao regime, mas da falta de liberdade de expressão em seu país. Contam que Yoani já foi presa pelo simples fato de se opor ao governo socialista. Não duvido de nada disso, mas se alguém me dissesse o contrário, também não poderia refutar.
                 No Brasil, o governo não impede ninguém de escrever o que bem entende em blogs, jornais ou revistas. Jamais alguém será preso por emitir opiniões em nosso país. Mas cuidado, aqui se está cultivando o hábito de matar esses incômodos boquirrotos.
                 Em dezembro de 2011, foi encontrado morto em sua casa, em Palhoça (SC), um desses escritores de blogs. Mosquito, como era conhecido, afrontava os políticos e poderosos locais com várias denúncias, desde corrupção até estupro.
                 A notícia sobre sua morte no Terra notícias, tinha por título: “SC: com 30 ações na justiça, blogueiro polêmico é achado morto.”  Para juntar-se à estranheza do cabeçalho, que antes de anunciar a morte, tenta desqualificar a vítima, encontramos no corpo do texto que “há indícios de que ele tenha cometido  suicídio”. Mesmo antes do laudo pericial, a valorosa polícia de Santa Catarina e esse órgão de imprensa, já apontavam indícios.
                Talvez a morte de Mosquito tenha sido mesmo por suicídio. As ações na justiça, a retirada do ar de seu blog, por decisão judicial, e as ameaças que vinha sofrendo, talvez tenham conseguido seu objetivo: calar o ativo denunciante.
                Em Vassouras (RJ), o jornalista Mário Randolfo foi seqüestrado e assassinado com disparos na cabeça. Mário já havia sofrido 3 atentados contra sua vida, mas as investigações sobre esses fatos antecedentes à sua morte, não foram investigados pela polícia. A mesma polícia que investiga seu assassinato. Assim como Mosquito, Mário Randolfo também denunciava gente graúda e suas maracutaias.
                Nossa imprensa, tão preocupada com a falta de liberdade de expressão em Cuba, pouco falou dessas mortes ocorridas aqui, em nosso país, em nosso quintal. Não quis ver nessas duas mortes, uma ação para calar os que se opõem aos escusos interesses de políticos e outros poderosos. Não viu indícios de intimidação àqueles que trilham pelo caminho da desconformidade com a intolerável realidade da roubalheira e impunidade dos detentores de gordas contas bancárias em nosso país. Não vimos nos telejornais, as expressões indignadas dos jornalistas de aluguel como ocorre quando o assunto é a falta de liberdade de expressão em Cuba. Não houve editoriais clamando pela queda de ninguém, sequer de um mísero delegado relapso ou comprometido.
                Quando disse que o que se passa hoje é parecido com o que ocorria na época da ditadura, creio que me expressei bem, afinal parecido não é igual. O caso do ministro, filho de imigrantes, opondo-se a entrada de imigrantes no país, é um paradoxo, uma contradição. Falar da falta de liberdade de expressão em Cuba e calar-se diante de assassinatos de jornalistas aqui, é canalhice.


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