quinta-feira, 11 de abril de 2013

Dois maridos



                Você deve conhecer a história dos dois maridos, mas dê uma olhadinha, talvez minha versão seja um pouco diferente da que você conhece. Isso costuma acontecer quando essas estórias exemplares são contadas. Bem, talvez você nem goste de estorinhas exemplares. De qualquer maneira, lá vai.

                O primeiro marido era um desses caras que todas as mães sonham para suas filhas. Era da casa pro trabalho e do trabalho para casa. Não bebia nem fumava. Aos domingos não faltava aos almoços na casa da sogra e ouvia pacientemente o grandiloqüente lenga-lenga do sogro e as chulices do cunhado. Resistia estoicamente ao assédio da cunhada metida a santarrona e suportava a voz esganiçada da mãe de sua amada. Elogiava o guisado mais sem graça, a sobremesa mais insulsa. A sogra sorria e pensava: Benza Deus.
                Quando viajava só (a negócios, é claro) nunca se esquecia de trazer a lembrancinha para a cunhada, o mimo para a sogrinha e o regalo para o sogro palrador. E sempre um presente para a mulher. Até o patife do cunhado já recebera um agrado seu na forma de um taco de sinuca desmontável, comprado em Ciudad Del Este. Ademais, progredia na carreira apesar da timidez.
                 O outro marido era justamente o contrário. Nunca chegava em casa no mesmo dia em que saía. No começo do casamento, ainda se dava ao trabalho de inventar desculpas: um serão na loja, um balancete, o velório de um  ex-companheiro. Depois de algum tempo, quando confrontado com o relógio e um “isso são horas?”, apenas sorria um sorriso cínico ou, em dias mais ágrios, soltava um “não enche o saco” e ia curar a ressaca num sono pesado.
                O mísero salário que ganhava, gastava em bebida, cigarros e outras coisinhas mais. O aluguel sempre atrasado. As contas pendentes, com aviso de corte no fornecimento.
                Às sextas-feiras ela já nem o esperava mais. Ele aparecia muito depois do sol de sábado, cheirando a perfume ordinário. O ônibus cheio levava a culpa pelo odor.
                 Um dia, e foi justamente numa sexta-feira, ela estava pensando que nem valia à pena fazer a comida, ia comer um miojo antes da novela e ia deitar cedo com suas mágoas, sabia que o marido só apareceria para o café da manhã. Mas antes das sete ele chegou, e trazia flores. Deu-lhe um beijo de namorado e perguntou pelo jantar. Ela, toda sorrisos, correu à cozinha para preparar algo que fosse do agrado dele. Um suflê de abobrinha, sim, ele adorava seu suflê de abobrinha.
                 Comeram juntos e assistiram a novela, abraçados. Ela lhe explicava o enredo, contava das tramas que os personagens malvados arquitetavam. Estava feliz, de uma felicidade de colegial. Naquela noite dormiram de conchinha. Ele estava perdoado por anos de maus tratos e desdém. As flores e o beijo molhado, o haviam redimido.
                 Nessa mesma sexta-feira, o bom marido chegou em casa as seis e quarenta e cinco, como era de praxe, e não encontrou a mulher, as crianças também não estavam. Telefonou aflito pra casa dos sogros e uma voz seca, que lhe pareceu ser a do sogro, lhe fez saber: _Ela está aqui. E desligou. Para lá foi ele pensando em desgraças sem fim.
                  Ao chegar o sogro abriu-lhe a porta e virou-lhe o rosto. A sogra, com sua voz de taquara rachada, foi mais eloqüente: O senhor, heim Seu Mário, com essa cara de sonso... Ele,  sem nada entender, estava mudo. Só atinou perguntar pela mulher. A sogra indicou, com seu queixo de colher, o corredor que dava acesso aos quartos. No caminho teve de suportar uma piscadela obscena do cunhado e, mesmo aparvalhado, poderia jurar que viu no rosto da cunhada um olhar ainda mais oferecido que sempre.
                   No quarto, que fora seu de solteira, estava a mulher. Tinha os lhos vermelhos e fungava. Antes de reiniciar o choro estendeu-lhe uma carta dizendo: Por que você fez isso comigo? Ele estava atônito quando começou a ler o papel que lhe fora dado. Demorou muito tempo para decifrar o que ali vinha escrito. Por fim, caiu a ficha.
                   Tudo aconteceu quando sua mulher acompanhou a mãe numa estação de águas em Cambuquira. A velha andara doente e o médico havia recomendado aquele tratamento jurássico e caro. Ele ficara só em casa e uma noite, depois do expediente, resolveu sair com os colegas de trabalho para uns drinks. Havia uma mulher da contadoria no grupo. Ele, desacostumado à bebida, acabou num motel barato com a dona.
                   Na segunda-feira procurou-a para esclarecer os fatos. Disse-lhe que tudo não passara de um equívoco, que ele não era dessas bandalheiras, era casado e fiel. Ela ainda insistiu em mais um encontro, mas diante de sua firmeza, resignou-se. Pelo menos assim pensou ele.
                   Aquilo acontecera há mais de dois anos. Ele e a tal contadora nem se falavam mais no escritório e ele julgou o assunto encerrado. Não estava. Quando a moça foi despedida do emprego no começo daquela semana, enviou a carta, que ele tinha nas mãos, para sua mulher. Contava detalhes do encontro que ele mesmo já havia esquecido, citava datas, locais, testemunhas.
                    Fora outro, teria negado, inventaria investidas da mulher, assédio. Diria que aquela carta era apenas vingança de mulher rejeitada. Mas não. Ele, neófito nessas questões do sexo clandestino, admitiu o erro.
                    Daí pra frente sua vida foi um pequeno e silencioso inferno. Os almoços de domingo se tornaram insuportáveis. O sogro, antes falante, emudeceu. A sogra, ele descobriu grossa e rancorosa. Os cunhados, cada um por seu motivo, lhe sussurravam coisas que ele tentava não compreender. Seus direitos de marido não eram mais respeitados.

                    Que lições devem ser tiradas dessa estória? Eu não sei. Só conheço a estória e sei que na vida real as coisas não saem tão bem para o mau marido, Nem todos os beijos e juras de amor nem o arrependimento nem mil buquês de flores irão lhe absolver do passado. A cada tanto, tudo será pormenorizadamente relembrado.


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