Tem um filme do Jabor, do final dos anos 60 que, sem ser
nenhuma obra prima do documentarismo, é muito interessante. O filme tenta
mostrar o pensamento da classe média carioca (especialmente da zona sul)
através de depoimentos dos personagens que compunham aquela cena. Não há um
narrador. Pelo menos nessa questão da forma, é muito moderno. Hoje, me parece,
essa é a tendência dos documentários: deixar ao espectador a última palavra, a
análise do que é mostrado.
Numa das cenas do documentário, vemos uma procissão. Creio
que no Outeiro da Glória. Como em todas as manifestações católicas, os fieis
arrastam suas caras tristes em passos lentos. Um padre, tal qual um chefe de
torcida, da desanimada torcida católica, usa um megafone para vituperar contra
uma lei que estava em discussão no congresso. Tratava-se de projeto de lei que
dava direitos iguais aos da mulher casada às que viviam em concubinato. Creio
que o autor do projeto de lei era o Deputado Nelson Carneiro que, anos mais
tarde, foi autor do diploma legal que introduziu, com alguns séculos de atraso,
o divórcio no Brasil.
Mas o que queria o megafone de batina que gritava palavras
de ordem em favor da família? Coagir os casais “amigados” a submeterem sua
união ao crivo da igreja? Impossível no estado laico. Separar os que viviam
juntos sem o registro em cartório? Isso seria impensável numa sociedade moderna.
Obrigar que aderissem ao casamento oficial? Muitos deles nem poderiam fazê-lo
por serem desquitados. Não, o megafone queria apenas negar direitos. Impedir
pessoas de terem direitos civis. A rejeição do projeto de lei não traria nenhum
benefício à igreja. Os casais de fato não se separariam caso a lei não fosse
aprovada nem acorreriam em bandos para a paróquia mais próxima. Se quisessem ou
pudessem, já o teriam feito. Os filhos desses casais continuariam sofrendo
preconceitos. Sem embargo, o megafone clerical falava em nome da família.
A lei, que era alvo do esbravejante cura, foi por fim
aprovada. A família, não foi esfacelada, como pregava o vigário, o céu não ruiu
nem a cólera de Deus caiu sobre a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Anos mais tarde assistimos a mesma histeria dos religiosos quando a lei do
divórcio foi discutida e aprovada. Falava-se do fim da família, do caos, do
inferno, do diabo a quatro.
Hoje vemos a história se repetir com relação ao casamento
igualitário. Se nos idos dos 60 e 70 a igreja católica comandava o coro dos
carolas, hoje são os evangélicos que regem a banda do atraso mental. Com uma
grande diferença: os católicos se contentavam em orientar seus seguidores e
influenciar os políticos, os evangélicos abolem os intermediários e se elegem
para, desde os parlamentos do país, tentar impor à nação sua noção do que é
certo e do que é errado. Tudo, claro, segundo seu livro mágico.
Fanáticos e oportunistas da corrente neopentecostal já
traçaram sua estratégia de combate ao século 21. Depois de ter sua representação
reduzida com o escândalo da máfia das sanguessugas, mostraram incrível poder de
reação no pleito de 2010 e praticamente duplicaram sua bancada. A tomada da
presidência nas comissões da Câmara com Portela (CLP) e Feliciano (CDHM), a expressiva
representação em comissões importantes como a de Constituição e Justiça e os esdrúxulos projetos apresentados por evangélicos de todos os matizes, apontam para um caminho que e leva direto para a idade média. Os políticos
tradicionais, mais ocupados com a rapinagem do erário e com sua perpetuação no
poder, tornam-se aliados úteis e facilmente comprados, pois os religiosos têm
poder de manipulação sobre milhões de votos populares. Isso sem contar com a
bancada ruralista, que em mais de uma oportunidade compartiu interesses com os
pastores parlamentares.
O último bastião da democracia e do estado laico parece ser
o Supremo que tem se mostrado infenso ao poder dos evangélicos. Mas até quando?
Nenhum comentário:
Postar um comentário