Acabo de ver no facebook a foto de um rapaz muito simpático
trajando uma camiseta com os dizeres, "sou catador". Abaixo da foto, entre
parênteses, uma citação provavelmente dele. Aí se lê: “A gente tem que romper
com esse paradigma que reciclagem é coisa de gente pobre ... Reciclagem é coisa
de gente inteligente”. Vê? Embora vista uma camiseta na qual se lê que ele é
catador, o rapaz simpático não gosta que sua atividade seja vista como algo de
pobres. Contrapondo pobreza e inteligência, ele escolhe o lado e tira do pobre
a capacidade de atilamento.
Reciclagem é, sim,
coisa de pobre. Nenhum remediado vai pôr-se a catar os restos dos outros por amor à natureza. Há que ser pobre para aceitar
ganhar uma ninharia por toneladas de detritos. A classe média faz-se de
consciente do problema ambiental e separa suas latinhas e garrafas, mas catar
restos é com os pobres, com os necessitados, com os despossuídos.
Mas se esse simpático rapaz expressa seu preconceito para
com a pobreza mesmo sendo pobre, é o estado que desempenha papel fundamental na
sua marginalização e criminalização.
Os atos de reintegração de posse de áreas ocupadas, que
deveriam ser vistas como de interesse social, são praticados com a
violência habitual de nossas polícias quando de pobres e favelados se trata.
Usam-se bombas de efeito moral e gás lacrimogênio para atacar mulheres, idosos
e crianças. Destroem-se moradias que custaram o suor e o sacrifício das pessoas
que, sem nenhum apoio do estado, as construíram. Trabalhadores são espancados e
presos sem que isso provoque a indignação da classe média e dos meios de
comunicação tal qual ocorre quando um manifestante ataca uma agência bancária
ou uma loja de artigos de luxo.
E agora tem as polícias pacificadoras que levam o terror aos
morros e favelas do Rio. Na sua incapacidade de combater o que o estado quer
que seja crime, o consumo e venda de drogas, esse mesmo estado instaura a
ocupação armada de comunidades pobres. Proíbem-se os bailes funk, viola-se o
direito de ir e vir dos moradores, principalmente dos jovens, e é como se nada
houvesse acontecido. Balas perdidas ceifam vidas e os policiais, acobertados
pela imprensa, mesmo antes de qualquer perícia, dão como certo que elas
partiram das armas dos bandidos. Ato de resistência é o eufemismo usado para
justificar os assassinatos de supostos traficantes.
A OAB não se pronuncia, o Ministério Público nada faz, os
meios de comunicação se mostram francamente favoráveis à ocupação armada. Os
cientistas sociais que freqüentam os estúdios das emissoras de TV fazem
apologia do estado policialesco. A repressão é vista como solução para o
problema da violência que é, em última análise, gerada pelas leis
proibicionistas.
Nas últimas semanas, o desaparecimento do pedreiro Amarildo
numa comunidade “pacificada” foi narrado nos noticiários de TV no mesmo tom neutro
que os repórteres usam para falar de acidente de trânsito. Até o boletim do
tempo tem merecido mais entusiasmo.
O caso não é único. Não é o primeiro cidadão pobre que
desaparece depois de ter sido abordado pela polícia. O que há de novidade é que
a família de Amarildo não se intimidou em denunciar seu desaparecimento e as
circunstâncias em que isso se deu. Mas a indignação, nossa imprensa guarda para
os vidros quebrados e os carros de luxo pichados nas manifestações.
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