domingo, 28 de dezembro de 2014

O que abunda e eu não vejo



O texto de Breno Altman no sítio informativo Ópera mundi se intitula “Quando Dilma irá acalmar a esquerda?” E começa assim: “Abundam analistas e protagonistas elogiando as escolhas da presidente para o ministério, as medidas anunciadas nas últimas semanas e o discurso que tem predominado desde a reeleição”.
Já de cara aparece a pergunta que não quer calar: por que alguém iniciaria um texto com um verbo tão sujeito aos trocadilhos bobos e às piadas infames?  Bem, disso trato depois.
O artigo segue fazendo uma afirmação que quer se passar por dúvida ou conjectura: “A idéia-força que atrai estes aplausos é a da pacificação. Seria lance político de brilhantismo um conjunto de concessões destinadas a desarmar o clima de enfrentamento da disputa presidencial”.
Aqui é o verbo ser no condicional o que incomoda. Esse “seria” tem o tilintar de moeda falsa, faz o leitor pensar que está tendo uma opinião, tomando uma posição, que está entre os que acompanham os abundantes analistas e protagonistas. Nesse trecho a vontade é de abandonar a leitura e abrir o Almanaque Capivarol, a folinha Mariana ou algo que faça prognósticos mais seguros. Mas não. Não sou homem de abandonos.
O texto de Altman prossegue num tom de análise ponderada, no mesmo tilintar. Chega mesmo a citar “ferrabrás do ruralismo” sem dar o nome da nova titular da pasta da agricultura. Pudores?
Mas voltemos aos analistas e protagonistas que abundam. Quem serão? Não os tenho lido ou ouvido. Toda notícia que leio e que fala do novo ministério de Dilma reflete a mesma estupefação, a mesma incredulidade quanto ao giro repentino do governo em direção ao que há de mais conservador e reacionário no país
É bem verdade que ando fugindo daqueles colunistas que um dia defenderam a permanência de Sarney na presidência do Senado em nome da governabilidade e que apontavam como golpe de estratégia genial do Presidente Lula a conquista do apoio de Maluf à candidatura de Haddad. Talvez sejam estes os que agora defendem o novo ministério. Mas, convenhamos, não são abundantes como quer Altman.
Sei que Altman não mente, apenas exagera quanto ao número de analistas que acham que o novo ministério é parte de brilhante estratégia política, daí o uso do  verbo que sugere multidões, farturas, profusões. Não me cabe dúvida de que há gente tentando dar nó em pingo d’água para explicar a presença de Kátia Abreu, Kassab, Barbalho e outros bichos no primeiro escalão do governo. Mas daí à abundância de elogios vai uma enorme distância.
A conversa da correlação de forças no congresso e o papo da governabilidade já foram por demais usados. Este discurso, supostamente realista, já encheu pote e moringa, portanto havia que se inventar outro. Agora fala-se de isolar núcleos golpistas e de extrema direita fazendo-se concessões (e que concessões!) às classes dominantes. Esse argumento também consta no artigo de Altman.

Se antes a equação era vencer a direita para fazer o que a direita faria, hoje, a impressão que ficou depois da escolha de parte do novo ministério é que se pretende isolar golpistas governando-se como os golpistas governariam. 

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