sábado, 5 de novembro de 2011

Botequim

Antes o bar era o lugar sagrado do descanso do guerreiro, o escritório do vagabundo, a fuga do sujeito que vivia com a sogra, a faculdade do pobre. Lugar da anedota, da conversa, da paquera.
 E do futebol. Foi num botequim que ouvi pelo rádio o Atlético ser afanado pelo José Roberto ... Writh? Wrigth? Uraite?.... que se dane, num jogo da libertadores. No mesmo bar ouvi Jorge Cury narrar o gol de Renato Sá que terminava com a invencibilidade de 52 jogos do Flamengo e bebi a vitória do Brasil sobre a Argentina em 82.
Num bar um amigo me contou da morte de John Lennon, ouvi, pela primeira vez, Meninas do Brasil de Moraes Moreira, li Drummond e namorei. Namorei muito em botequins.
O meu ficava na Barata Ribeiro quase esquina de Santa Clara, ao lado de uma verdureiria. O português, malandro, pôs na parte mais próxima ao bar, os caixotes de abóboras e chuchus. Limões e maracujás ficavam fora do nosso alcance, ainda assim vez por outra alguém alcançava uma fruta do conde e até um saco de laranja veio parar em nossas mãos. Não consigo lembrar o autor da proeza. Acho que foi o Dimas, tão quietinho...
Bar também era o lugar dos apelidos, das gozações. O Rui ficou sendo o Abestado, O Edmundo, Renato Sá, eu era o Mineiro e havia também o Gaúcho. Tinha o Sebastião do Brinco e a Colega, o Rei da Maluquice e a Janis Joplin.
Talvez o melhor de tudo é que não havia aparelhos de televisão. Era um mundo à parte, diferente do emprego e do lar. Sem as chatices das novelas e as tragédias dos noticiosos. Os problemas, quando havia, eram criados ali mesmo. Uma briga ou outra, o bote dos home, alguma bebedeira séria motivada por dor de corno. Mas nada de TVs. Só o rádio, que ao fundo  anunciava:_ “O Globo no ar” e era desligado automaticamente quando alguém de Brasília dava início à “Voz do Brasil”. Os tempos eram bicudos e censurados, não fazia o menor sentido ouvir a versão oficial de nada. Tudo era versão oficial. Só se prestava atenção mesmo na hora do jogo. O narrador alentava nosso consumo:_ “Bola de pé em pé, Antártica de copo em copo”. Alguns pagavam, todos bebiam.
A rapaziada que ali se encontrava tinha as mais diversas profissões. O Joel foi apontador de obra, vendeu “prata peruana” na calçada  da  Avenida Copacabana e a última vez que o vi estava escrevendo bicho. O Sebastião do Brinco fazia shows eróticos na Prado Júnior,o Gaúcho e o Adonis eram bancários. A Colega e a colega da Colega eram domésticas de dia e à noite faziam a vida. Tinha também um coroa quase cego que sempre aparecia com o violão debaixo do braço e conhecera Noel. Era amigo do Dimas, que tinha de acompanha-lo  à casa quando as pernas  e o violão pesavam demais. O Renato Sá trabalhava no arsenal de marinha e depois fez prova para a Petrobrás e foi viver em plataformas. O Xará era pequeno traficante mas também dava um balão apagado quando a situação era propícia. Tinha pintor de paredes, o gerente da loja de discos, uma bicha que morreu assassinada. O Rui roubou um carro e foi em cana. Claro. O carro era uma Mercedes branca e pertencia ao cônsul da Suíça. Quando foi preso estava comendo milho cozido na Cinelândia. A Mercedes ao lado. Ao sair da cana dura ganhou o apodo; Abestado. Havia comerciários e porteiros, enfermeiras e estudantes e muitos, muitos vagabundos.  Todo mundo dividindo uns poucos metros quadrados e um banheiro do qual nem quero lembrar. Bebia-se em pé, comia-se em pé. Na dureza eu pedia um pão molhado e um veneno. Ia levando, ia vivendo.
Parafraseando Drummond, hoje eu sei que minha vida naquele tempo, era mais bonita que a de Robson Crusoé.




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Aos vinte e poucos anos um sujeito tem de ir aos bares, ser de esquerda e escrever poemas senão fica um chato aos cinqüenta, falando de comidinha saudável e anti-tabagista. Aos vinte e poucos anos escrevi este poema em homenagem ao meu botequim.
      


                                          O bar


             O homem que toca violino
             O cáften aposentado
             O camelô abordado
             O streep-teaser acidentado
             A puta deusa de samba enredo
             O padre que parou para o café
             O bancário que conta lorota
             O idiota que finge sê-lo e o é
             O crápula mais que crápula, vil
             O negro que bebe calado
             O gerente da loja suando
             O policial sacana
             O poeta que inventou vinte e três novas maneiras de sofrer
             O suicida eufórico

             Todo o país no botequim



2 comentários:

  1. O botequim - esqueceu? - era a Lobel, e os dois "barmen", os dois "paraíbas", ambos "ceará", um alto e outro baixinho, que serviam a cerva e a pinga das várias moçadas que faziam pouso naquela esquina com calçada de um metro onde raspava a lataria dos ônibus roncando furiosos, os dois "Ceará" eram torcedores do Bangu, porque moravam lá no bairro da Zona Oeste, e tinham um escudo do clube pendurado na parede do boteco. Lobel! Acabaram com a Lobel - agora é uma lanchonete bem xumbrega, mas com TV e sem bebum.

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  2. Não esqueci não. Gostava muito daqueles caras. só não citei para fazer estilo.

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