terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Detonando o Japão







Enquanto esperava pelo jogo Santos e Barcelona, que assisti com o som da tv desligado, fiquei rememorando as últimas informações que os jornalistas esportivos nos deram em suas entradas ao vivo, desde o Japão,e nas transmissões dos jogos anteriores. Eu disse “informações”?  Já comecei mal.
 Não são fatos o que trazem esses jornalistas e sim uma enciclopédia de estereótipos já consagrados. Por eles só fico sabendo da educação estremada do povo japonês, da sabedoria oriental, do respeito aos mais velhos que aquela cultura exalta, da limpeza das ruas, da enorme tecnologia presente até em seus vasos sanitários. Sobre episódios recentes da vida japonesa, nada. Fukushima jamais existiu no imaginário de nossos patrícios que exercem a crônica esportiva.
Quando em setembro de 1945 os japoneses assinaram a rendição na segunda grande guerra, seu imperador Hirohito foi obrigado a fazer uma aparição pública e renunciar à sua divindade.Pela primeira vez na milenar história daquele país, o povo pode ver a face de um imperador. Imagino a decepção. O líder que por anos os fizera lutar em nome das tradições japonesas e repúdio ao domínio ocidental no oriente, apareceu num palanque de madeira sem adornos, mais parecendo um patíbulo que outra coisa. Trajava uma ridícula casaca que o fazia parecer-se a um besouro anão e seria motivo de riso até para a barata do Kafka, no rosto levava um bigode mal aparado em nada parecido às extravagâncias capilares dos samurais e shoguns e na cabeça um chapéu mais ocidental que o rebolado de Rita Hayworth. Ainda por cima vinha dizer que não era deus na terra e, com a graça dos americanos, seria apenas chefe de estado. Seus generais já haviam sido enforcados por crimes de guerra em seu lugar. Ele, que até o fim dizia que a rendição seria inaceitável, a aceitara em troca de seu pescoço imperial e divino. E é claro, devido à evidência que “fat man” e “little boy” mostraram.
Entre Hiroshima e Fukushima, o Japão tornou-se potência tecnológica e econômica e nos é mostrada como uma espécie de shangri-lá com terremotos pela televisão tupiniquim. Mas o que os olhos vêem o estereótipo apaga e nossos “enviados especiais” sequer enxergam que a simpatia reservada aos turistas é tão universal quanto à coca-cola. De Xerém a Kobi o gringo é bem recebido porque traz a grana. Que o respeito aos mais velhos é na verdade um respeito aos mais ricos.Lá e cá. Velho pobre tem que se valer da segurança social que sempre se mostrou mais evidente nos países ocidentais.O convívio de várias gerações sob o mesmo teto nada tem a ver com respeito à sabedoria e sim com falta de aposentadorias dignas que tornariam os velhos independentes da chatura de noras e netos adolescentes.
Mas para nosso espanto, ficamos sabendo que nas ruas do Japão não se encontra nem um fio de cabelo no chão e que poucos dias após o tsunami, estradas inteiras haviam sido reconstruídas.Pouco importa se crianças comeram carne contaminada inspecionada e liberada pelo governo e que a demora de um mês em ampliar a área a ser evacuada em torno da usina atômica avariada, fez com que milhares de pessoas ficassem expostas, desnecessariamente, à radiação. Tudo para evitar a desordem que uma fuga em massa dos locais contaminados provocaria. Os japoneses odeiam a desordem.  Sofisticados equipamentos de detecção de radiação diziam o contrário mas o governo japonês ordenou que ficassem em casa. Uma simples dose de iodo poderia ter evitado a contaminação radioativa.(O iodo não radioativo ingerido antes ou pouco tempo depois do contato com isótopos radioativos de iodo impede que a radiatividade seja absorvida pela tireóide) Em poucos anos saberemos os resultados dessa conduta governamental.
A ordem com que se comportam os japoneses também é motivo de admiração para os jornalistas esportivos brazucas que visitam aquele país. Quem os ouve tecer tantos elogios ao comportamento ordeiro, pensaria que essas pessoas jamais jogaram lixo na rua ou estacionaram seus carros em local proibido. Para eles é digno de nota que até para se suicidar os japoneses são ordeiros e respeitam as tradições. Mas como o Japão é o recordista mundial em suicídio infanto-juvenil, algum deslize deve-se esperar dos que praticam a milenar tradição do harakiri em tenra idade. Má influência ocidental, de certo.
No entanto se há algo em que o Japão se destaca é na tecnologia, e não só na tecnologia inútil dos jogos de vídeo e outros que tais. Os japoneses são bons em máquinas e equipamentos e no mundo das telecomunicações encontram poucos concorrentes.Como isso é fato inconteste, muito me surpreendi quando vi no canal japonês por ocasião do desastre nuclear de Fukushima, que durante as reportagens de rua e nos estúdios apareciam cartazes escritos que eram manipulados por algum ajudante do repórter. Mesmo durante as entrevistas coletivas com os responsáveis pela usina nuclear acidentada, que sempre vestiam uniformes muito grandes para seus corpos diminutos, havia os tais cartazes. Se a cena já era patética pelas caras de passarinhos tristes que todos ostentavam e pelos uniformes comprados, de certo, pelas mães dos diretores da usina nuclear, (as mães sempre compram roupas um número maior pensando no rápido crescimento dos filhos mesmo que estes já tenham 32 anos) os gráficos e dizeres, mostrados dessa maneira tão rudimentar, davam ao todo um aspecto de pobreza tecnológica da televisão dos anos 60 e me fazia lembrar da TV Tupy, da propaganda do sabão Rinso e, claro, do National Kid.
Talvez o problema dos japoneses é que apesar de terem contribuído para o mundo com muitas coisas realmente geniais, o ocidente cisma em destaca-los por suas bobagens. Assim é com seus “anime”. O nome não disfarça o que é, mas pelo menos não temos que dizer “desenho animado” para algo tão desanimado. São desenhos que nada têm de movimento, pelo contrário, são figuras estáticas cujo único esboço de animação fica por conta de uns olhos enormes que abrem e fecham a cada quadro.(Os japoneses crêem que possuem olhos como aqueles) Mas se visualmente são feios, o que se pode dizer dos enredos?  São dramalhões que fazem novelas mexicanas parecerem um baile gay de carnaval. Quem sabe aí não esteja um dos fatores que levam tantas crianças ao suicídio naquele país?
Parentes dos “anime”, os “mangá” também são uma febre no Japão. Certa vez li que 50% do papel para impressão japonês é usado para editar essas histórias em quadrinhos. O número me parece exagerado, mas se estiver correto, livros, jornais, revistas, folhetos, cartões de visita, notas fiscais e propagandas em geral, dividem a outra metade. Dessas publicações há para todos os gostos. Infantis, juvenis, adultas, cômicas, trágicas, eróticas e históricas. Na terra de Mishima e Kenzaburo Oe, quem manda é Gocu.
 O fascínio pelos heróis mascarados talvez baste para explicar porque sempre vemos, em cenas filmadas nas ruas do Japão, pessoas usando estúpidas máscaras cirúrgicas. Esse infantilismo contagiou outro ser pouco amadurecido e a figura de Michael Jackson usando uma máscara na cor preta sempre me vem à mente quando assisto as notícias referentes ao julgamento do médico do “rei do pop”.
   Porém nada mais fascinante para os parvos ocidentais que a tradição.Pode-se dizer que a maior tradição japonesa é a tradição. Para todos os atos humanos há uma prática tradicional. Mesmo que essas tradições se mostrem ridículas como o cerimonial que se deve seguir para tomar o chá em minúsculas xícaras, a arte das gueixas ou a inutilidade do bonzai. Não importa. Os japoneses souberam vender seu peixe cru e mesmo quando os recebemos no ocidente, suas frescuras são seguidas aqui também. Grandes empresas dão cursos para que seus executivos não molestem os clientes ou fornecedores japoneses com atitudes ocidentais. Mas se agradam por aqui, entre seus vizinhos do extremo oriente, sua fama está mais ligada ao imperialismo, aos massacres, como o de Nanquim,.e ao racismo. Para os chineses, a melhor tradição japonesa é a bomba atômica.





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