sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Lobato e o racismo







Vivemos tempos interessantes, diria um chinês. Apesar do cerco da mais espessa idiotice, aqui e ali aparecem brechas por onde passa alguma luz. Claro que operosos cultores da escuridão logo aparecem com baldes de argumentos supostamente democráticos, vagamente libertários para tapar qualquer crítica que queira alumiar, arejar e remover a poeira do estabelecido. É o caso da obra de Monteiro Lobato.
Não faz muito tempo que alguém chamou a atenção para o conteúdo racista do Sítio do Pica-pau amarelo. Do tratamento dado à Tia Nastácia. Tudo que é contestado na obra lá está desde sempre mas só agora alguém tem a coragem de expor. Durante todos esses anos, autores vêem citando Monteiro Lobato com admiração e dando-o como inspirador e mentor de suas carreiras literárias. Parece que ficava bonito.
Sem embargo, aquela que criou, usando trapos e botões, a contestadora boneca Emília e o sábio Visconde de Sabugosa com uma espiga de milho, é enxovalhada pelo autor. Ainda que seus quitutes sejam louvados, Lobato refere-se a ela como ser desprovido de inteligência, quase infantil ou menos que isso pois o menino Pedrinho afronta os seres de nosso universo mítico com grande desassombro enquanto a negra tem por eles o terror daqueles que tudo ignoram.
Os que viram os problemas na obra de Lobato apenas pediram que o Ministério da Educação não a incluísse entre os livros que compõem a biblioteca infantil que este Ministério distribui para as escolas. Ninguém falou em queima de livros ou censura. Pediu-se algo razoável; que não fossem parar nas mãos de crianças de 6 ou 7 anos uma obra que traz preconceito racial na forma de menosprezo por um de seus personagens.
Acontece que nos achamos diante do grande homem, do grande escritor. Um ser intocável. Mas não deveria ser assim. Lobato foi um dos que à época criticaram a criação de uma estatal petrolífera no Brasil. Americanófilo, preconizava um modelo de exploração de petróleo baseado na iniciativa privada. Capitalista e empreendedor, a cada fracasso nos negócios mais sobrava para Jeca Tatu.
Quando afinal resolveu redimir o caboclo, meteu-lhe umas botinas, curou-lhe das lombrigas e pronto. Nada falou das condições de sua existência nem de seu salário. Meteu-lhe botinas medicinais.
Mas se o grande homem não se mostra tão grande assim, sobrava-lhe a obra literária infantil que alguém resolveu agora criticar. Os defensores de Lobato não admitem a crítica. Quem o faz logo é chamado de censor ou algo pior. Mas essa critica é apenas quanto ao conteúdo manifestamente racista. Creio que a ninguém lhe ocorre tentar diminuir a enorme contribuição de Lobato para a literatura infantil. Sua obra serviria de modelo de didatismo e forma para qualquer jovem escritor que quisesse trilhar o caminho da escrita para crianças. Mas como já disse, não é mais coisa que se entregue nas mãos de crianças que iniciam a leitura.
Recentemente, ouvi na televisão uma senhora que dizia que na França o mesmo se dá com os quadrinhos do Tin Tin que já não são encontrados nas estantes de obras infantis e sim na de adultos devido ao seu caráter colonialista que uma sociedade que se quer multi-étnica e multi-racial já não suporta. Um adulto tem como pôr no seu devido contexto o que ali vem dito, uma criança não.



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