terça-feira, 29 de novembro de 2016

Repressão

Em 77, eu assistia um programa de TV. Era entrevistado o comandante da polícia militar do Rio. Questionado sobre os desvios de policiais, o coronel disse que se tratava de uma minoria que usava da farda para praticar extorsão, abuso de autoridade e cobrar propina de traficantes. Uma minoria, nada mais.
Naquele tempo eu viva na noite, nas ruas, nas quebradas e sabia que pagar para não ser preso por fumar um baseado era a norma. Muitas vezes vi o camburão parado ao pé do morro Santa Marta esperando algum garoto descer com a grana que o pessoal do tráfico mandava. Vi, enquanto esperava para poder subir o morro, os canas batendo umas carreiras no retrovisor da viatura por puro exibicionismo, afinal poderiam cheirar dentro do carro. Noutra ocasião, um amigo meu comprou toda a brizola e o bagulho que queria dentro da joaninha que lhe havia pego subindo o Livramento.
No noticiário sempre havia algo sobre policiais que integravam quadrilhas, vendiam armas ou participavam diretamente de assaltos. Aquela história de minoria pra mim não colava. Comecei a colecionar recortes de jornais em que apareciam crimes praticados por policiais. (Claro que violência policial não era notícia naqueles tempos de ditadura e o que eles tiravam dos que fumavam um tampouco virara manchete).
Fui guardando os recortes numa pasta de papelão, daquelas com elástico nos cantos e uns dois anos depois a pasta estava cheia, estufada. Numa de minhas muitas mudanças acabei jogando a pasta fora. De nada me servia.
Hoje, que grande parte da população pode registrar com seus celulares tudo o que passa, as redes sociais estão repletas de vídeos de violência praticada por policiais militares contra cidadãos. As vítimas preferenciais são os jovens negros da periferia. O escracho é a rotina de quem vive nos morros e favelas. O governo do Rio resolveu institucionalizar o desrespeito e a violência de seus agentes criando as UPPs. O toque de recolher imposto por policiais a seu bel prazer nas comunidades periféricas virou algo comum. Casos com o do pedreiro Amarildo se multiplicam sem que haja repercussão na imprensa. Trabalhadores são mortos porque, segundo os policiais, portavam uma furadeira ou outro objeto que fora confundido com uma arma. Meninos são mortos na porta de suas casas quando a polícia chega atirando em locais densamente povoados e não há processo nem responsabilização por essas mortes.
Quando algum juiz ou membro do ministério público resolve investigar a ação de policiais nas milícias e outras organizações criminosas, a morte os alcança como aconteceu com a juíza Patrícia Acioli.
Uma parcela da população, idiotizada pelos programas policialescos ou por preconceito de classe, apóia a violência da polícia contra os pobres.
Agora, é o governo federal que faz uso da violência policial para reprimir manifestações pacíficas de estudantes e outros cidadãos. As vítimas dessa violência deixam de ser os jovens negros da periferia. A brutalidade alcança os meninos e meninas da classe média. Isso foi o que se viu ontem em Brasília e que já havia sido visto em outras manifestações. Talvez, apenas talvez, aqueles que tanto defendiam as ações criminosas da polícia passem a ver do que eles são capazes quando recebem carta branca para usar a força. Mas aí talvez, só talvez, já seja tarde.













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