Outro dia me deparei, num programa de
entrevistas, com um escritor argentino que tentava buscar para seu país a
primazia em matéria de ditaduras. Ele citava o regime de terror de Pinochet, a
longa estada de Stroessner, no poder, a operação condor e outras coisas, mas
dizia que em matéria de terrorismo de estado nada havia superado a ditadura
argentina.
Imediatamente lembrei-me de um filme que havia assistido
anos atrás: La história oficial. A película narra a história de uma mãe que
descobre que o bebê que seu marido trouxe para casa era uma das crianças seqüestradas
por policiais e milicos e dadas em adoção para famílias de militares e amigos
da ditadura argentina. Isso aconteceu de fato e foi o motivo da criação do
grupo Abuelas de La Plaza de Mayo. Anos depois, já adultos, muitos desses bebês
seqüestrados descobriram que haviam amado e respeitado como pais, àqueles que
estavam ligados de alguma forma à prisão, tortura e assassinato de seus pais
verdadeiros.
Dei razão ao escritor argentino, do
qual não lembro o nome. Os seqüestros de bebês haviam suplantado em
crueldade, em insanidade, em terror, tudo que foi praticado por outras ditaduras
do continente. Pelo menos assim pensava até encontrar uma notícia sobre o
suicídio de um homem de 40 anos que, segundo a matéria, foi torturado pela
polícia de Sérgio Fleury quando tinha 1 ano e 8 meses.
Ainda que o caso dos seqüestros de
bebês argentinos seja chocante e cause horror, a tortura de uma criança de 20
meses é algo que só encontra paralelo no regime nazista e no colonialismo
europeu na África. Não é algo com o qual esperamos nos deparar num jornal dos
dias de hoje e nessas latitudes.
Quando os milicos argentinos levavam
os bebês de suas vítimas, havia naquele ato criminoso algo assim como um laivo
de “humanidade” (que me desculpem as vítimas pelo uso do vocábulo tão
inapropriado para falar de assassinos e torturadores). As mentes distorcidas
daqueles agentes do terror queriam livrar aquelas crianças do convívio com
famílias que haviam produzido “subversivos” e “terroristas”. Era como se
quisessem dar-lhes uma nova oportunidade de vida, introduzindo-as num meio que
eles viam como modelo de família, ordem e disciplina. Mesmo em meio à loucura
da mais brutal repressão, parece ter havido um desejo de remendar algo, de
fazer-se algum bem, ainda que sob o ponto de vista dos piores assassinos e
torturadores.
No caso do bebê brasileiro torturado
pelos psicopatas comandados pelo delegado Sérgio Fleury, o que houve foi barbárie,
bestialidade, o mais hediondo dos crimes que se possa conceber.
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