sábado, 15 de março de 2014

Os monstros da ditadura


Outro dia me deparei, num programa de entrevistas, com um escritor argentino que tentava buscar para seu país a primazia em matéria de ditaduras. Ele citava o regime de terror de Pinochet, a longa estada de Stroessner, no poder, a operação condor e outras coisas, mas dizia que em matéria de terrorismo de estado nada havia superado a ditadura argentina.  
Imediatamente  lembrei-me de um filme que havia assistido anos atrás: La história oficial. A película narra a história de uma mãe que descobre que o bebê que seu marido trouxe para casa era uma das crianças seqüestradas por policiais e milicos e dadas em adoção para famílias de militares e amigos da ditadura argentina. Isso aconteceu de fato e foi o motivo da criação do grupo Abuelas de La Plaza de Mayo. Anos depois, já adultos, muitos desses bebês seqüestrados descobriram que haviam amado e respeitado como pais, àqueles que estavam ligados de alguma forma à prisão, tortura e assassinato de seus pais verdadeiros.
Dei razão ao escritor argentino, do qual não lembro o nome. Os seqüestros de bebês haviam suplantado em crueldade, em insanidade, em terror, tudo que foi praticado por outras ditaduras do continente. Pelo menos assim pensava até encontrar uma notícia sobre o suicídio de um homem de 40 anos que, segundo a matéria, foi torturado pela polícia de Sérgio Fleury quando tinha 1 ano e 8 meses.
Ainda que o caso dos seqüestros de bebês argentinos seja chocante e cause horror, a tortura de uma criança de 20 meses é algo que só encontra paralelo no regime nazista e no colonialismo europeu na África. Não é algo com o qual esperamos nos deparar num jornal dos dias de hoje e nessas latitudes.
Quando os milicos argentinos levavam os bebês de suas vítimas, havia naquele ato criminoso algo assim como um laivo de “humanidade” (que me desculpem as vítimas pelo uso do vocábulo tão inapropriado para falar de assassinos e torturadores). As mentes distorcidas daqueles agentes do terror queriam livrar aquelas crianças do convívio com famílias que haviam produzido “subversivos” e “terroristas”. Era como se quisessem dar-lhes uma nova oportunidade de vida, introduzindo-as num meio que eles viam como modelo de família, ordem e disciplina. Mesmo em meio à loucura da mais brutal repressão, parece ter havido um desejo de remendar algo, de fazer-se algum bem, ainda que sob o ponto de vista dos piores assassinos e torturadores.

No caso do bebê brasileiro torturado pelos psicopatas comandados pelo delegado Sérgio Fleury, o que houve foi barbárie, bestialidade, o mais hediondo dos crimes que se possa conceber. 

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