Eu tinha 13 anos quando fui
fisgado pelos livros. Como isso aconteceu no meio das férias eu não contava com
a biblioteca da escola. No meu bairro não havia uma e, pensando bem, creio que
não vi nenhuma naquele Belo Horizonte dos anos 70.
Por aqueles dias, lembro de ter
lido um romance cuja ação era passada no Alasca ou em outro lugar frio pra
burro. Já não lembro o título mas fiquei com uma lembrança toda branca de umas poucas
cenas do romance. Não é o tipo de literatura que alguém cite como fonte de
formação, mas eu gostei.
Naquelas férias escolares também
li Clarissa, do grande Érico Veríssimo, e até hoje, quando penso no
livro, vem-me uma sensação azul e cheiro de violetas.
De outros livros daquela época
pouco lembro. Lembro sim de uma vez em que estava lendo nas escadas do prédio
onde morava e uma vizinha veio dar-me uma caixa de maçãs cheia de livros. Não
era, nem de longe, o que se poderia chamar de uma biblioteca infanto-juvenil. A
maioria dos volumes era daqueles livrinhos de bolso de espionagem, caubóis e
aventuras. Havia coleções famosas desses gêneros. Entre os que não eram desse
formato, estava um de Morris West que mesmo eu, leitor iniciante, achei muito
ruim, mas como seguia a receita dos “best-seller”, tinha algo de sexo, e li até
o fim a insulsa trama.
Outro volume da caixa de maçãs
era de autoria de Ibrahim Sued e versava sobre boas maneiras. Quem me conhece
deve estar pensando que pouco proveito tirei da “obra” do Ibrahim. É verdade.
Minhas maneiras podem ser chamadas de tudo, menos de boas. No entanto esse livro me ensinou que
devemos usar o termo “mulher” quando da nossa se trata e “esposa” para as dos outros. Até hoje, quando escuto alguém falando “minha esposa”, lembro do livro e
tenho vontade de rir. Me parece tão falso, tão postiço que tendo a qualificar
logo o sujeito como mal amado e pedante. O pior é quando dizem “minha senhora”,
aí, minha vontade não é de rir, mas de esganar o camarada.
Mas no meio desse monturo havia
um pequeno tesouro: “As aventuras de Tibicuera” de Érico Veríssimo. Este sim,
um livro para meninos de 13 anos. Ou, pelo menos, meninos de 13 anos daquela
época. Hoje teríamos de rebaixar a idade dos possíveis leitores da obra de Veríssimo
em 3 ou 4 anos pois daquele tempo para cá foi criada a categoria de
pré-adolescente e os meninos de 11, 12 anos estão obrigados a dar outras
respostas ao meio social e, na intimidade, refugiarem-se nos jogos “on
line” deixando espessa baba nos teclados dos computadores.
Mas voltando aos meus 13 anos,
ou pouco mais.
Numa noite fria belorizontina descobri Jorge Amado e sua Teresa
Batista cansada de guerra. Foi um deslumbramento. A obra de Jorge, (me permito a
intimidade com esse brasileiro tão amado) principalmente na fase iniciada por
Gabriela, não seria aconselhada para meninos, na concepção que se tinha
naqueles tempos, eu discordo. A sensualidade de Gabrielas e Teresas são um estímulo
para a sexualidade sem tabus, sem mentirinhas ou frescuras, e a mocidade
precisa tanto de sexo quanto de livros.
Sei que a literatura produzida
hoje para os pré-adolescentes é de outra índole. Procuram concorrer com os tais
joguinhos eletrônicos e muitas vezes apenas acompanham a tendência da sociedade
de jogar logo os meninos no mundo chato e competitivo. Tem até literatura
“gospel” para essa faixa etária. Doutrinária e careta.
Imagino que deve haver bons
escritores produzindo literatura infanto-juvenil, mas a sociedade não anda
produzindo bons leitores. São muitos canais de TV, muitos joguinhos, muita
internet e face book. E os smartphones que fazem todo o serviço do capeta e
cabem no bolso.
No entanto, o mercado editorial
anda de vento em popa.
Talvez sejam as compras governamentais, talvez uma reação de
certa parte da sociedade que já vislumbrou um futuro sinistro sem livros nem
conhecimento. Um mundo só de informação mal assimilada, mal digerida, sem elo
com o passado, imediatista.
Mas se as massivas compras de
livros pelo governo federal mantêm forte e pujante nosso mercado editorial, os
preços dos livros não baixam, as bibliotecas não se multiplicam e quando delas se
fala é para inserir nas conversas e debates os computadores e toda espécie de
digitalização. Pensa-se hoje, numa biblioteca cheia de máquinas conectadas à
grande rede. A isso chamam de modernidade, de inserção digital. Mas tem pior.
Depois de dormir “ciência e
tecnologia”, Mercadante acordou “educação”. Numa de suas primeiras falas, o
Ministro fez apologia dos “tablets” (há que se escrever assim, em inglês, pois
quem traduz o termo para tablete é ridicularizado). Falou na economia que seria
feita trocando-se o livro didático de papel pelos “tablets” e mais uma porção de coisas que a noite de sono lhe metera na cabeça.
Não posso aferir se haveria ou não
economia do dinheiro público nessa troca do papel pelo digital, mas fica claro
que as editoras engordadas com os lucros advindos das compras governamentais,
podem se dar ao luxo de lançar boa literatura tanto para os meninos quanto para
os adultos. No caso dos “tablets” tenho lá minhas dúvidas se o ganho aferido
pela aquisição massiva reverteria para maior número de obras literárias disponíveis
nesse formato ou iria se diluir em mais tecnologia inútil e descartável.
O mundo digital torna obsoleto o
que ele mesmo produz, em pouquíssimo tempo. Creio que um “tablet” lançado
esse ano perderá sua utilidade em menos de 3 anos. Além do mais, qualquer
pessoa que tenha em casa um aparelho digital, seja um computador ou um celular,
sabe que o troço pifa. Já fico imaginando um “tablet” dentro de uma mochila
escolar que está servindo de baliza para a pelada depois da aula. Se é que os
meninos ainda jogam peladas depois da aula.
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