Noca da Portela, em um samba
intitulado “Eu sou favela” que teve gravação do saudoso Bezerra da Silva, diz
no estribilho:_“a favela é um problema social”. Eu adoro o samba mas peço venia
ao bamba da azul e branco de Madureira para discordar.
Não acho que a favela seja
problema de nenhuma espécie. Ao contrário, vejo na favela uma solução. Uma
solução de moradia urdida pelo povo. Solução que o poder público sempre negou
aos mais pobres.
Desde a volta dos soldados que
foram combater o Conselheiro em Canudos, esses aglomerados urbanos tornaram-se
a solução dos desvalidos. Aqueles pobres que foram dizimar outros pobres em
nome da república e dos que sempre odiaram ver o povo tomando as rédeas de seu
destino, ao chegarem ao Rio foram para o ministério da guerra receber o soldo
prometido e se viram diante do descaso das altas patentes. Sem ter recebido o
que lhes era devido e sem ter para onde ir, ficaram sobrevivendo nos morros
próximos ao ministério e dadas às péssimas condições de vida que tinham,
chamaram aquele tipo de comunidade de “favela” em referência à planta espinhosa
que tem esse nome e é tão abundante no sertão.
Quando Pereira Passos resolveu
melhorar o aspecto da Capital Federal, dotando a cidade de largas e belas
avenidas, jamais lhe passou pela cabeça conseguir de ante-mão moradia para os
que habitavam as cabeças de porco, cortiços e as casas de cômodos que existiam
no centro da cidade. Desalojou toda a população sem se importar que rumo
tomaria aquela gente. Foi nos morros que a população desalojada foi morar
criando novas favelas. É como diz Bezerra em outro samba antológico intitilado “Aqueles
morros”: _”Antes aqueles morros não tinham nome, foi pra lá o elemento homem,
fazendo barraco, batuque e festinha. Nasceu Mangueira, Salgueiro, São Carlos e
Cachoeirinha...”
Com a migração que cresceu nos
anos 50 e 60 devido à seca no nordeste e a outros fatores, mais e mais favelas
foram sendo erguidas sob o olhar desdenhoso do poder público que nada fez para
melhorar a condição de moradia de quem já havia feito a metade do serviço com o
próprio suor.
Hoje, para quem vai à Rocinha, à
Mangueira ou ao Morro dos Prazeres, fica difícil acreditar que tudo o que ali está seja
fruto do espírito criativo dos próprios moradores. O pouco que o poder público
ali investiu foi sobre uma realidade criada pelo engenho popular.
Aliás, o único órgão do poder
público que chega às favelas é a polícia, e não para garantir a paz dos que lá
moram, senão para implantar o terror. Logo nas primeiras operações que a
polícia carioca fez para desalojar supostos traficantes e implantar as tais
UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora), esse terror se fez presente, a polícia
tinha autorização para entrar em qualquer residência e revista-la num flagrante
desrespeito aos direitos do cidadão que estão garantidos na constituição e nos
códices infra-constitucionais. De costas para a janela e olho grudado na
televisão dos Marinho, a classe média carioca aplaudia a repressão.
Essa mesma classe média fazia
chacota em 1983 quando Brizola falou em construir um plano inclinado no Morro
Santa Marta. Hoje, o teleférico da Penha só não é motivo de escárnio por estar
longe dos olhares da zona sul e por ser um modelo importado da Colômbia.
Mesmo com as polícias
pacificadoras cometendo seus crimes e sendo aplaudidas até mesmo pela
Presidenta Dilma que vê na instauração dessas forças repressivas um exemplo a
ser seguido por todo o país, a favela resiste com seu modo de vida, seus
costumes, sua independência criadora.
Pra terminar eu vou citar dois
casos que dão o tom da ação do poder público com relação às favelas.
Antes da tragédia que vitimou os
moradores do Morro do Bumba em Niterói, a associação de moradores já havia
mandado fazer estudos de engenharia e apresentado projeto à prefeitura pedindo a construção de um muro de arrimo para prevenir deslizamentos. Nada foi feito. O
custo da obra solicitada era inferior ao de um das dezenas de pilotis que
servem de suporte para um elevado destinado a melhorar as condições viárias das
áreas ricas de Niterói.
Outro caso exemplar aconteceu antes
dos Jogos Panamericanos do Rio.
Agentes da prefeitura andaram
por favelas próximas à Barra da Tijuca pintando nas paredes externas das
residências estranhos símbolos que pareciam significar quais residências
estavam em local de risco ou algo parecido. Uma espécie de aval de remoção.
Um morador, que vi na televisão,
sintetizou o caso: _Nosso problema não é estar em zona de risco, é estar em
zona de ricos.
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