Há algum tempo atrás, uma foto
ganhou o mundo. Nela um menino africano está sentado no chão. A cabeça grande,
o ventre bojudo e os membros esquálidos. Está morrendo de inanição. À volta, abutres
rondam o infeliz. Não se sabe o que lhe deu a morte, se a fome ou os
impacientes abutres. A foto só registra seus últimos instantes de vida.
Em nome não sei de que tipo de
ética, o fotógrafo não interveio. Registrou o momento terrível e foi embora. De
barriga cheia, bolso cheio, talvez num jatinho fretado. Algum tempo depois, o
autor da foto fez a única coisa descente que poderia ter feito; matou-se.
Esse tipo de sensacionalismo
travestido de denúncia social é coisa comum. Uma foto dessas, alavanca uma
carreira, ganha prêmios humanitários, participa de exposições, faz do autor uma
celebridade nos meios jornalísticos. Para nada serve aos fotografados,
moribundos ou miseráveis. Seu sofrimento é por demais sabido sem que nada seja feito.
A fome na África é um tema que
vem servindo de discurso fácil a muitos interesses. Nos dias de hoje, quando as
mudanças climáticas são o centro das atenções, muitos ativistas falam que as
conseqüências de tais mudanças atingirão mais profundamente os mais pobres. Se
estamos vendo a televisão, tão logo é dado esse alerta, aparecem cenas de
mulheres africanas em campos de refugiados, carregando seus filhos ou a foto do menino moribundo. Na
verdade, o que assistimos hoje é a quebra da safra americana devido às condições
climáticas, mas tal fato não mexeria com nossos corações e mentes, por isso há
que se mostrar a miséria e a fome na África. Mas tem pior.
Não faz muito tempo, o governo
de um país africano foi convencido por uma organização não governamental e não
nada, a não receber uma grande doação de alimentos pelo simples fato dos
alimentos serem transgênicos. O fanatismo alimentar dessa organização e a
estupidez do governante, devem ter provocado milhares de mortes por inanição.
Não longe de nós esse tipo de
concepção vem fazendo estragos. Virou fato comum a exaltação dos plantios
orgânicos pelos meios de comunicação. Os alimentos assim produzidos são
caríssimos e chiquérrimos. Os preços altos são explicados, é claro, pela menor
produtividade desse tipo de agricultura. Ou seja, para produzir a mesma
quantidade de alimentos que seriam produzidos pela agricultura tradicional,
mais terra é necessária. Mas os propagadores da idéia dos orgânicos também são contra
o desmatamento e nada têm a dizer sobre a reforma agrária. A conta não fecha.
Mas para eles não importa.
O agricultor já está vendo que
os consumidores desse tipo de alimento pagam pelo produto sem chiar e o novo
nicho de mercado vai se tornando cada vez mais atrativo. Uma conseqüência disso
é que a luta pelo banimento de certos agrotóxicos, já proibidos na maioria dos
países, perde força. É como se a solução para o problema já tivesse sido
encontrada. Não foi. Tampouco o descaso pela fome alheia diminuiu. Pelo contrário.
Existe uma música dos Titãs, se
não me engano, que virou uma espécie de hino da revolta contra nada. Em sua
letra diz o poeta: _”A gente não quer só comida”. Ora, quem associa o
substantivo “comida” com o advérbio “só”, não apenas demonstra insensibilidade,
como mostra que está de barriga cheia. Em outra parte da canção pergunta o
vate:_”Você tem fome de que?” A resposta “comida” está antecipadamente
descartada.
Embora milhões de brasileiros
tenham saído da pobreza nos últimos anos, os afetados pela miséria extrema, não
tiveram a mesma sorte. Continuamos convivendo com bolsões de fome tanto no
campo como nas periferias das grandes cidades. Ainda existem milhões de
brasileiros que não podem se dar ao luxo de querer mais que “só” comida.
Do ponto de vista do deus
mercado já não existe comida, alimento. Trata-se de commodities, bolsa de futuros.
A fome não entra nos pulcros lugares onde se decide quem vai comer e quem não
vai.
O milho americano vira combustível
para deleite dos inimigos do combustível fóssil. Alias, virava. Com a quebra da
safra de milho, trigo e soja naquele país, os yanques certamente vão importar o
produto, que é básico na alimentação de pessoas, especialmente nas Américas,
para não quebrar sua indústria de combustível renovável.
Outra questão que ofende o bom
senso é o preconceito alimentar muito em voga entre certa parte da população. O
vegetarianismo tem-se espalhado entre os bem nutridos. Claro que não há perigo
de virar epidemia. Seus difusores, na verdade, não querem que assim seja.
Fingem fazer pregação da prática preconceituosa mas na verdade querem que o
preconceito seja um estilo de vida de elite.
Em visita ao Brasil, a Primeira
dama americana avisou de antemão que era vegetariana. A pessoa designada pelo
Itamaraty para preparar o cardápio do jantar de recepção do casal Obama,
resolveu servir uma feijoada de tofu. Imagino que deva ter saído uma mistura
intragável mas por decoro a senhora Obama teve de tragar. O piriri que
certamente acometeu Michele Obama, foi a verdadeira vingança de Montezuma. O
espírito do guerreiro já deve ter se adaptado aos novos tempos.
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