segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Simplicidade







Tem muito samba bom que eu só escutei uma ou duas vezes. Nossas TVs e nossas rádios são avaras de nosso ritmo nacional. Se às vezes tocam samba de qualidade, é como se estivessem fazendo um favor ou uma concessão. Somente quando um cantor ou uma cantora de sucesso gravam alguns desses sambas é que ficamos conhecendo seus autores. No momento é Zeca Pagodinho quem nos mostra Monarco, assim como alguns anos passados, Beth Carvalho nos fez ouvir Cartola.
Um desses sambas que pouco ouvi e do qual só gravei uns versos e sua deliciosa melodia, diz:_”Já não se samba mais à luz do lampião, nem as cabrochas vão pro terreiro de pé no chão”. Não sei quem é o autor nem o nome do samba. Tampouco sei em que época foi feito.
Não creio que o compositor queira que as pessoas andem de pés no chão e não tenham eletricidade. Parece-me, que apenas relembra dias de mais simplicidade. Imagino que o autor sinta saudades de bons momentos da vida e nesses momentos as cabrochas iam sambar no terreiro de pé no chão. O mesmo me passa.
Outro dia abrindo o face book vi uma postagem que era uma lista desses meios modernos de comunicação associando-os a classes sociais ou algo assim. A piada dessa postagem era que o Orkut era para favelados. Já nem me assusto mais com essas manifestações de preconceito contra pobres e favelados nas redes sociais, mas nesse caso a manifestação odiosa vinha até mim por intermédio de uma menina que é minha parenta. Ela é uma adolescente e não creio que haja nenhuma maldade em seu coração para discriminar ou querer humilhar alguém por sua condição social. Apenas vai na onda e esse tipo de preconceito é moda entre os que têm acesso aos meios de comunicação eletrônicos.
Essa menina talvez desconheça que nossa origem é das mais pobres. Nunca moramos numa favela mas em determinado momento de nossas vidas as coisas eram dificílimas. Vivíamos num bairro periférico de Contagem, cidade satélite de Belo Horizonte. As ruas eram de terra e 24 horas por dia caia sobre nós os resíduos que a fábrica de cimento Itaú despejava por suas chaminés. A água, que chegava às torneiras num fio ínfimo, num certo momento deixou de chegar, só tinha força para pingar no limite do quintal. Aí foi posto um tambor de duzentos litros que acumulava o líquido e depois era levado aos baldes para dentro de casa onde havia outro tambor do mesmo tamanho.
Depois de algum tempo a água deixou de pingar e tínhamos que trazê-la desde a cisterna de Dona Nelita, prestimosa vizinha. Minha prima Bebeth e eu carreávamos baldes e baldes para que minha avó pudesse lavar e cozinhar e para nosso banho antes de irmos para a escola. Mesmo com toda a dificuldade, comíamos sempre o arroz, o feijão, a farinha. Carne havia de vez em quando mas minha avó conseguia extrair do chão coberto de fuligem de cimento algum tempero e umas folhas verdes. Comíamos com prazer sua comida sempre gostosa, sempre bem temperada no melhor estilo mineiro. Nunca faltou leite para minhas primas pequenas, nem presentes de natal mesmo que por algum tempo só minha Tia trabalhasse como costureira a domicílio.
Apesar da falta d’água, tínhamos nossos uniformes sempre limpos e passados e íamos cheirosos para a escola. Íamos a pé pelas largas avenidas do bairro industrial, algumas vezes acompanhados pela Socorro que era colega de turma de minha prima e que sempre levava um grande rádio de pilhas sintonizado na rádio Atalaia.
Foi nessa casa de quarto e sala onde viviam três adultos, dois adolescentes e duas crianças, que vi o Brasil ser campeão do mundo pela terceira vez. Foi aí que assisti junto a minha tia Lourdinha e seu marido Airton, numa sessão da meia noite da Globo, o filme Casablanca pela primeira vez. Foi nessa rua de terra, que joguei muitas peladas com meus amigos Merci e Montanha.
Nosso único eletrodoméstico era um liquidificador e tínhamos também uma TV Telefunken. No entanto, relembro esses dias com grande saudade. Foram dias felizes para mim. A amizade com a prima, a escola que freqüentávamos até no domingo, os bailinhos do Grupo Escolar onde tocavam o Wandinho, namorado de minha prima, o Lobão e o Orozimbo, meus primeiros amigos mais velhos. Pode até parecer estranho, mas eu sinto saudade daquela simplicidade, daqueles dias de privações e alegrias.
Talvez por ter vivido assim, hoje eu entenda a letra de certos sambas e tenha muito respeito por quem mora em favelas e periferias.
Por ter vivido na pobreza e na simplicidade, outro samba me causa muita emoção quando o escuto. Diz assim o poeta:_ “Habitada por gente humilde e tão pobre, que só tem o céu que a todos cobre, como podes Mangueira cantar?” A resposta, o próprio poeta dá: _“Pois saiba que nós não queremos mais nada, a noite a lua prateada, ouça as nossas  canções, temos no alto um cruzeiro onde fazemos nossas orações, e temos orgulho de ser os primeiros campeões” Simplicidade.


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Um comentário:

  1. Pela sua visão de vida, pela sua poesia, por mil outras coisas, eu te amo

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