Tem muito samba bom que eu só
escutei uma ou duas vezes. Nossas TVs e nossas rádios são avaras de nosso ritmo
nacional. Se às vezes tocam samba de qualidade, é como se estivessem fazendo um
favor ou uma concessão. Somente quando um cantor ou uma cantora de sucesso
gravam alguns desses sambas é que ficamos conhecendo seus autores. No momento é
Zeca Pagodinho quem nos mostra Monarco, assim como alguns anos passados, Beth
Carvalho nos fez ouvir Cartola.
Um desses sambas que pouco ouvi
e do qual só gravei uns versos e sua deliciosa melodia, diz:_”Já não se samba
mais à luz do lampião, nem as cabrochas vão pro terreiro de pé no chão”. Não
sei quem é o autor nem o nome do samba. Tampouco sei em que época foi feito.
Não creio que o compositor
queira que as pessoas andem de pés no chão e não tenham eletricidade.
Parece-me, que apenas relembra dias de mais simplicidade. Imagino que o autor
sinta saudades de bons momentos da vida e nesses momentos as cabrochas iam
sambar no terreiro de pé no chão. O mesmo me passa.
Outro dia abrindo o face book vi
uma postagem que era uma lista desses meios modernos de comunicação
associando-os a classes sociais ou algo assim. A piada dessa postagem era que o
Orkut era para favelados. Já nem me assusto mais com essas manifestações de
preconceito contra pobres e favelados nas redes sociais, mas nesse caso a
manifestação odiosa vinha até mim por intermédio de uma menina que é minha
parenta. Ela é uma adolescente e não creio que haja nenhuma maldade em seu
coração para discriminar ou querer humilhar alguém por sua condição social. Apenas
vai na onda e esse tipo de preconceito é moda entre os que têm acesso aos meios
de comunicação eletrônicos.
Essa menina talvez desconheça
que nossa origem é das mais pobres. Nunca moramos numa favela mas em
determinado momento de nossas vidas as coisas eram dificílimas. Vivíamos num
bairro periférico de Contagem, cidade satélite de Belo Horizonte. As ruas eram
de terra e 24 horas por dia caia sobre nós os resíduos que a fábrica de cimento
Itaú despejava por suas chaminés. A água, que chegava às torneiras num fio ínfimo,
num certo momento deixou de chegar, só tinha força para pingar no limite do
quintal. Aí foi posto um tambor de duzentos litros que acumulava o líquido e
depois era levado aos baldes para dentro de casa onde havia outro tambor do
mesmo tamanho.
Depois de algum tempo a água
deixou de pingar e tínhamos que trazê-la desde a cisterna de Dona Nelita,
prestimosa vizinha. Minha prima Bebeth e eu carreávamos baldes e baldes para
que minha avó pudesse lavar e cozinhar e para nosso banho antes de irmos para a
escola. Mesmo com toda a dificuldade, comíamos sempre o arroz, o feijão, a
farinha. Carne havia de vez em quando mas minha avó conseguia extrair do chão
coberto de fuligem de cimento algum tempero e umas folhas verdes. Comíamos com
prazer sua comida sempre gostosa, sempre bem temperada no melhor estilo
mineiro. Nunca faltou leite para minhas primas pequenas, nem presentes de natal
mesmo que por algum tempo só minha Tia trabalhasse como costureira a domicílio.
Apesar da falta d’água, tínhamos
nossos uniformes sempre limpos e passados e íamos cheirosos para a escola. Íamos
a pé pelas largas avenidas do bairro industrial, algumas vezes acompanhados
pela Socorro que era colega de turma de minha prima e que sempre levava um
grande rádio de pilhas sintonizado na rádio Atalaia.
Foi nessa casa de quarto e sala
onde viviam três adultos, dois adolescentes e duas crianças, que vi o Brasil
ser campeão do mundo pela terceira vez. Foi aí que assisti junto a minha tia
Lourdinha e seu marido Airton, numa sessão da meia noite da Globo, o filme
Casablanca pela primeira vez. Foi nessa rua de terra, que joguei muitas peladas
com meus amigos Merci e Montanha.
Nosso único eletrodoméstico era
um liquidificador e tínhamos também uma TV Telefunken. No entanto, relembro
esses dias com grande saudade. Foram dias felizes para mim. A amizade com a
prima, a escola que freqüentávamos até no domingo, os bailinhos do Grupo Escolar
onde tocavam o Wandinho, namorado de minha prima, o Lobão e o Orozimbo, meus
primeiros amigos mais velhos. Pode até parecer estranho, mas eu sinto saudade
daquela simplicidade, daqueles dias de privações e alegrias.
Talvez por ter vivido assim,
hoje eu entenda a letra de certos sambas e tenha muito respeito por quem mora
em favelas e periferias.
Por ter vivido na pobreza e na
simplicidade, outro samba me causa muita emoção quando o escuto. Diz assim o
poeta:_ “Habitada por gente humilde e tão pobre, que só tem o céu que a todos
cobre, como podes Mangueira cantar?” A resposta, o próprio poeta dá: _“Pois
saiba que nós não queremos mais nada, a noite a lua prateada, ouça as nossas canções, temos no alto um cruzeiro onde
fazemos nossas orações, e temos orgulho de ser os primeiros campeões”
Simplicidade.
.
Pela sua visão de vida, pela sua poesia, por mil outras coisas, eu te amo
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