A proximidade do centenário de
Nelson Rodrigues inunda os meios de comunicação com esse autor e personagem que
é um dos mais ricos de nossa literatura.
Livros que analisam sua obra são
lançados. Na televisão, programas especiais são exibidos. Nelson está sendo
lembrado como merece. Ou não.
Acontece que muito do que se diz sobre Nelson Rodrigues omite o principal. A culpa é da fragmentação das análises. Não se
pode falar da obra teatral de Nelson Rodrigues sem lembrar de sua imensa
contribuição como cronista, pois se no seu teatro “seus personagens pecam para
que nós não pequemos” como definiu o próprio autor, na crônica, Nelson se expõe
como o moralista que sempre foi. Moralista no mais amplo e melhor sentido.
É na crônica rodrigueana que
encontramos o homem que irá modelar os personagens teatrais, romanescos,
folhetinescos que durante mais de meio século vêm mexendo com o cérebro e as
tripas dos brasileiros. Nelson talvez tenha sido o autor que mais se mostrou ao
público como ser humano. Longe da torre de marfim, ele foi um homem que
escrevia.
Quem se perde nos aspectos
formais de sua obra, perde o que há de melhor em Nelson Rodrigues.
Num desses programas de TV que
tentaram homenageá-lo, umas pessoas que pareciam muito entendidas davam suas
opiniões sobre o teatro de Nelson Rodrigues. Mesmo com o estilo fragmentário do
programa, com muitos cortes desnecessários, deu para entender a opinião que uma
senhora tinha sobre o autor. Dizia ela que, se vivesse, Nelson teria a faca e o
queijo na mão com tantos assassinatos mostrados ao vivo, estupros e outras
coisas mais. “Ele nadaria de braçada” concluiu. Ora, essa senhora estava
confundindo Nelson Rodrigues com Datena. Estava repisando a opinião do público
burguês e da censura que viam em Nelson Rodrigues um tarado, um pervertido, um
lúbrico.
Se esta “especialista” tivesse
se debruçado sobre a crônica de Nelson Rodrigues, fonte fundamental para
entender sua obra teatral, ela saberia que o autor de “Vestido de noiva”, longe
de estar nadando de braçada, estaria sofrendo. Não que ele fosse um otimista
que acreditasse na redenção do ser humano nem nada parecido, mas Nelson via os
monstros que nos habitam com terror. Conviver com tais monstros não significa
absolve-los ou redimi-los. Significa apenas reconhece-los.
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