Creio que foi no ano passado, ou no anterior. Não sei bem.
Pra não ficar na dúvida, apelemos para a imprecisão. Digamos que foi no passado
recente. O fato é que um deputado, (ou seria um senador?) propunha uma mudança
nos códices legais, para descriminalizar as práticas de sortilégios.
Argumentava o parlamentar que não fazia mais sentido fingir
que se perseguia algo que era anunciado em cada esquina, em todos os jornais,
na internet. Tive de concordar com Sua Excelência. Os panfletos, que prometem
trazer o amor de volta em 30 dias, são distribuídos por todas as cidades. O
jogo de búzios, o tarô, a leitura de mãos, são praticados de portas abertas e
fazem parte do cotidiano de nossa população tão propensa ao misticismo.
Minha concordância com o parlamentar vinha também da convicção
que o estado não deve se intrometer na vida íntima dos cidadãos. Uma crença é
algo pessoal, íntimo. Não cabe aí, segundo creio, a tutela estatal. Junte-se a
isso, um certo cinismo que venho cultivando com relação à humanidade tão bem
definido no aforismo carioca:_ “Pra que otário quer dinheiro?” Quer pagar por
uma mandinga que traga de volta o marido infiel? Que pague. Acha que um
“trabalho forte” lhe fará passar no concurso do Banco do Brasil? Então dê
dinheiro ao bruxo que ele resolve. Não é problema do estado. O contribuinte não
deve estar pagando para que se persiga o vendedor de ilusões.
Mas, enquanto falava Sua Excelência, eu ia pelas ramas e
pensava em outras práticas, perseguidas
pelo aparato repressivo do estado, que também fazem parte do cotidiano de
milhões de brasileiros. Como viajei na maionese, não vi o óbvio.
Já dizia Nelson Rodrigues, que só quem vê o óbvio são os
santos e os sábios. Pobre de mim, pobre de mim.
No entanto o óbvio estava lá e ululava. Claro que o parlamentar não estava tão
interessado assim nos bruxos, adivinhos e afins. Estes charlatães jamais se
manifestaram contra a perseguição que há muito não existe. Videntes não lutam
pela regulamentação da profissão. Nenhum jogador de búzios quer descontar para
o INSS. Não há sindicato das cartomantes nem associação de leitores de tarô.
A proposição do representante do povo visava outro ramo do
charlatanismo e do abuso da fé pública: os proprietários de igrejas neo-pentecostais.
Sim, pois o que enseja a proibição dos atos de sortilégios são o abuso da fé
pública e o charlatanismo. Uma vez que o código legal não oponha restrições à
sua prática, não há como enquadrar nenhum dos bispos e pastores que apregoam
milagres e se dizem possuidores de conexões com o divino. Afinal, que diferença
há entre uma pessoa que, lendo ensebadas cartas de tarô, diz conhecer o futuro
e os pastores que prometem interseção junto às cortes celestiais para que o
crente consiga comprar o carro novo? Pelo menos quanto à má fé e o intuito de
tirar proveito da ingenuidade alheia, não há nada que os separe.
A grande distinção entre um e outro está no poder econômico.
Enquanto o vidente e o feiticeiro aliciam seus fregueses um a um, os donos das
igrejas neo-pentecostais congregam milhões através de seus gigantescos e
inúmeros templos e horários comprados nas TVs. Enquanto aqueles cuidam de suas
vidas, estes tentam, com o poder político que suas fortunas conferem,
influenciar toda a sociedade, levá-la ao atraso. No caso desses apóstolos do
obscurantismo, mestres do embuste, amealhadores de fortunas, não há lugar para
o cinismo, para a vista grossa, para o “deixa pra lá”.
Na verdade, não sei o que foi feito do projeto do
parlamentar. Sei, sim, que o Ministério Público enfrenta as maiores
dificuldades para processar os milagreiros cujo poder político cresce paralelamente
ao seu poder econômico. Eleição é dinheiro e isso, pastores e bispos têm de
sobra. Não contabilizado, bem ao gosto dos políticos.
Há inúmeros projetos transitando nas duas casas do
Congresso, que direta ou indiretamente, beneficiam as igrejas arrecadadoras. Uns propõem mais isenções, outros subsídios para as contas de energia. Carros de
luxo, mansões, helicópteros e aviões usados pelos proprietários das seitas e
seus acólitos, são registrados como bens das igrejas, livres de impostos e
explicações.
Na última eleição pudemos assistir o beija mão de bispos e
apóstolos por candidatos e apoiadores. Até Alkimim, homem da Opus Dei, foi ao
templo de Waldemiro pedir benção para a candidatura de Serra.
Numa mostra de como esses barões da fé estão acima da lei
que rege a vida dos brasileiros, o candidato à prefeitura de São Paulo, Celso
Russomano, prometia durante a campanha eleitoral, não fechar templos que
estivessem em situação irregular. Isso depois do teto do templo da Bispa Sônia
e do Apóstolo Estevão ter desabado em cima dos fieis, matando 9 pessoas e
ferindo 106.
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