Para definir a democracia, o que não falta é frase feita. De
Fernando Henrique Cardoso já ouvi que “a democracia é como o ar, só quando
falta é que nos damos conta de sua necessidade”. Não sei se a frase é de sua
lavra ou se ele a recolheu no Almanaque Capivarol.
Jô Soares já disse, mais de uma vez, que “a pior democracia
é melhor que a melhor das ditaduras”. No meu humilíssimo entender nada que seja
“o pior” de algo pode ser bom. Pelo menos, nem FHC nem o Gordo ousaram dizer
que a democracia é uma plantinha que precisa ser sempre regada. Mas há quem
diga e emende com a história do colibri e da floresta em chamas.
Anônimos e famosos, idiotas e pensadores, muitos foram os
que já disseram algo sobre a democracia. Falar é fácil, aceitar a decisão das
maiorias ou respeitar as posições das minorias, é outra coisa. Quando
contrariados em suas pretensões, os detentores do poder, seja ele político ou
econômico, atacam a democracia dizendo defendê-la. O discurso dos golpistas de
64 era esse. Esse é o discurso que, hoje, deputados mensaleiros e seus
defensores fazem desde a tribuna da Câmara. Acha a comparação exagerada? Pode
ser que seja, pode ser.
Nem só de votos nas
urnas vive a democracia. Nessa forma de governo há de haver a separação de
poderes, sua independência e harmonia. E os deveres e poderes de cada um devem
ser claramente estabelecidos pela constituição, cabendo ao poder judiciário
zelar por seu cumprimento. Como disse Rui Barbosa, a alguém deve caber o
direito de errar por último. No caso brasileiro esse direito cabe ao poder
judiciário em sua última instância, o Supremo Tribunal Federal. Ainda que erre,
cabe ao Supremo a última palavra. Infelizmente, não é assim que vêem alguns
integrantes do Poder Legislativo. Para esses senhores parlamentares, democracia
é tudo aquilo que favorece seus interesses, suas teses, seu partido. Caso
contrário, é ditadura, intromissão indevida, arbítrio.
Após ser colhido, na última segunda-feira, o voto do
Ministro Celso de Melo, o plenário da Suprema Corte decidiu cassar o mandato
dos deputados que o tribunal condenou no processo do mensalão. A corte se
dividiu entre duas teses, ambas amparadas na Constituição. Acontece que nossa
Carta Magna possui artigos conflitantes sobre a questão enfrentada. Venceu por
5 votos a 4, a tese que dá ao Supremo o direito da cassação.
Por aí deveria ter ficado a discussão não fosse o
pronunciamento feito na véspera pelo destemperado Presidente da Câmara, Marco
Maia. O deputado, num ato de bravata pueril, ameaçou não acatar o parecer do
Supremo. Depois da decisão foram outros deputados que subiram à tribuna para
atacar o STF. O Deputado Sibá Machado, mesmo atropelando o vernáculo, disse que
a cassação fora sumária. Ora, não só o placar apertado da votação como o
próprio embasamento jurídico da decisão, dizem outra coisa.
Uma deputada da base aliada foi além e, mais uma vez, tentou
desqualificar todo o processo. Disse Sua Excelência que não havia provas para
as condenações. Claro que ela se referia a José Dirceu. O que queria a
deputada? Um recibo assinado? Uma confissão expressa? Não é preciso ser jurista
para saber que as provas de um processo são de variada ordem: materiais,
testemunhais, documentais, periciais, etc. Para a formação de sua convicção, o
julgador pode valer-se de simples indícios. No caso da Ação Penal 470, houve
mais de uma confissão de recebimento de dinheiro ilegal. Vários condenados
citaram José Dirceu como o homem da última palavra, o que batia o martelo na
distribuição de propinas.
A deputada do PC do B também asseverou que o Supremo havia
descumprido a Constituição ao cassar o mandato dos deputados condenados pelos
mais diversos crimes na Ação Penal 470 e citou o artigo de nossa lei maior que embasou
os votos vencidos no julgamento. Esqueceu-se, Sua Excelência, de citar a tese
vencedora. Custa-me crer que a deputada desconheça o que motivou o veredicto da
corte. Creio que ela apenas nos vê como idiotas patológicos incapazes de formar
uma convicção a partir do confronto de duas visões distintas.
Mas na verdade, isso já deixou de ter importância. O veredicto
do tribunal foi dado, cabe acatá-lo ou não estaremos vivendo uma democracia. O
que vale para o cidadão comum deve valer também para Suas Excelências, os
deputados. Decisão judicial não se discute, cumpre-se.
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