Até alguns anos atrás, a rede de TV aberta CNT transmitia o
desfile das escolas de samba do grupo de acesso do Rio. As imagens geradas, não
eram lá grande coisa, faltavam recursos técnicos à emissora. Mas pelo menos a narração
do desfile não era feita por narradores paulistas de futebol convertidos em
autoridades do samba.
Foi numa dessas transmissões da CNT que assisti a um dos
desfiles mais emocionantes de que tenho lembrança.
A escola era a Unidos do
Jacarezinho, promovida no ano anterior.
Escola pobre, muito pobre, creio que nesse mesmo ano voltou ao grupo 3.
Mas o desfile foi encantador. Só se via gente da comunidade. Moradores anônimos
do morro que dá nome à agremiação. Todos os componentes cantavam o samba de
enredo, com vontade, com paixão. A escola sambava.
Lembro, mais que nada, de uma mulher, uma passista. Uma
dessas pessoas que a dureza da vida, as privações e injustiças, tornam velha
aos 40 anos. Essa mulher não jogava beijinhos para a câmara, não marchava
coberta de plumas, não era destaque nem rainha de bateria. Essa mulher cantava
e sambava, se divertia com sua arte, toda entregue ao ritmo, ao batuque. Era
lindo de ver. Nela estava a essência do samba, da escola, do povo, do carnaval.
Creio que o contrato da CNT com a Liga independente das
Escolas de Samba, terminou, assim como o sinal da emissora pela Sky. Talvez só
eu tenha notado, pois além do desfile do grupo de acesso, a CNT não tinha mais
nada. Durante quase todo o dia, a emissora vendia o espaço para igrejas e
empresas de tele-vendas. Entre uma coisa e outra, havia umas novelas mexicanas.
Não as da Televisa, novelas mexicanas de verdade, com personagens de nome
duplo, penteados armados à laquê e abundante maquiagem.
Agora a CNT foi comprada por Waldemiro Santiago, proprietário
da Igreja Mundial. Ou seja, já não se verá mais carnaval na emissora. De jeito
nenhum. A destruição da nossa cultura popular, principalmente no que tange à
herança africana, é prioridade para as seitas evangélicas.
Em matéria recentemente publicada no Globo, falava-se das
baianas das escolas de samba. Essas senhoras que sempre foram a própria alma de
suas comunidades e de suas agremiações, estão sendo cooptadas pelas seitas e,
aconselhadas pelos pastores, estão abandonando o samba e o desfile das escolas.
O problema é mais grave, como acentua a matéria do jornal carioca, nas pequenas
escolas. Algumas até já perderam pontos por não contar com o número mínimo de
componentes na ala das baianas, estabelecido no regulamento do desfile.
Nesta época do ano, quando o país canta e samba, recrudescem
os ataques à nossa cultura, aos nossos valores, por parte dos pastores, bispos
de araque e missionários das seitas evangélicas. Essa gente ruim da cabeça se
une aos doentes do pé para, num misto de fanatismo e racismo, execrarem as
manifestações de alegria do nosso povo. Como o perfil dos fanáticos vem
mudando, já não se fala apenas do pecado e das chamas do inferno que estão
aguardando os foliões. Não. Com o auxílio luxuoso dos chatos de galocha e
caracúlicos profissionais, apela-se para a falácia da alienação do povo
provocada pela alegria momesca. O fanatismo quer ser ciência social.
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