sexta-feira, 29 de março de 2013

E aí, comeu?


                À primeira vista, temos a impressão que as religiões servem apenas para dividir os povos e promover guerras fratricidas. Para conquistar mais seguidores para seus dogmas de fé, vale tudo: perseguições, difamações, e muitas mortes. As crenças jamais poderão aproximar-se nem sequer tolerar-se minimamente. Quando o pomo de discórdia não é o deus a ser adorado, o problema é como adorá-lo. Sem embargo as religiões têm muito em comum: a negação das outras religiões, a condenação da apostasia, a misoginia, o racismo.
                Há outras duas coisas que preocupam todas as religiões desde sempre: O que comer e quem comer. As restrições alimentares tocam o paroxismo na cozinha cosher dos judeus, na culinária halal dos árabes e no vegetarianismo de hinduístas e budistas.
                Isaac Singer, prêmio Nobel de literatura de 1978, que era filho de um juiz rabínico, nos conta em seus relatos, das questões que seu pai tinha de resolver quando consultado sobre a alimentação cosher. São tantas as restrições impostas pelo judaísmo, que mesmo um ortodoxo hassidin tinha dificuldade em memorizá-las ou interpretá-las e, para não incorrer em pecado, recorria àqueles cujo estudo profundo da Torá, autorizava dirimir as importantes dúvidas. Lembro-me de uma delas: Pode-se comer o ovo posto durante o Shabat?  Da resposta, claro, me esqueci.
                É pela tradição judaico-cristã que muitos desses preconceitos alimentares chegaram até nós,  outros foram forjados aqui mesmo. Ainda hoje quase nenhum cristão come carne vermelha na sexta-feira da paixão. Aliás, não faz muito tempo que essa restrição era para toda a semana santa, desde o domingo de ramos até o sábado de aleluia, ficando a sexta-feira para o jejum completo. Minha mãe me contava que em sua cidade, no sertão mineiro, as prostitutas mendigavam comida durante a semana da paixão, não usando seu dinheiro, ganho na prostituição, para alimentar-se, por ser esse, impuro.
                Mas se as restrições religiosas aos alimentos vão-se afrouxando, sendo seguidas apenas pelos mais ortodoxos, por outro lado vivemos um momento de recrudescimento do fundamentalismo quando de sexo se trata. É o problema de quem comer. Agreguem-se a isso, outros dilemas: Como e por onde comer quem.
                Assim como na questão do que comer ou não, também no que se refere a quem comer e como, quem dita as normas são os religiosos. Para eles tudo que não for papai e mamãe é uma abominação. Se bem que o sexo oral já é admitido, como preliminar, por algumas sexólogas cristãs que deitam falação nos sítios evangélicos. Mas o boquete, só depois de casar e só com o cônjuge. Quanto ao sexo anal, masturbação, exibicionismo ou qualquer outra prática mais criativa, não há jeito, é abominação.
                O assunto, que deveria ficar restrito aos lares e consciências, tomou conta das deliberações do parlamento e do judiciário. Nunca na história desse país, nosso Congresso deu tanta opinião sobre o fiofó alheio. Quem leva esse tema para discussão é, claro, a bancada evangélica. Os deputados crentes, quando não estão legislando em favor de suas seitas, tentam de todas as formas empatar a foda. 
                A última vitória dos puritanos foi a aprovação na CCJ, de lei que dá direito a qualquer entidade religiosa de âmbito nacional de questionar decisões do STF. Tudo indica que o estropício deva ser aprovado no plenário da Câmara e seguirá para o Senado.
                A lei medieval, que acaba com a laicidade do Estado, foi gerada depois que o Supremo votou pela equiparação de direitos dos casais homossexuais aos dos heterossexuais.









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