Parafraseando o muito desgastado mote “o povo unido jamais
será vencido”, os manifestantes que tomaram as ruas do país bradam que o povo
unido não precisa de partido. Tanto a primeira palavra de ordem quanto a
segunda são de uma falsidade que fere os ouvidos.
Em 1904 o povo unido contra a vacinação obrigatória
protagonizou o que ficou conhecido por Revolta da vacina. Foi um movimento que
aglutinou desde a população pobre até os estudantes de medicina e os médicos. Para
a sorte das gerações que vieram depois, o povo unido foi vencido e prevaleceu a
ciência. A vacina foi aplicada de forma compulsória e várias doenças que
matavam milhares de brasileiros foram controladas e algumas extintas.
Agora fala-se que o povo unido não precisa de partidos. Como
se fariam leis sem partidos? Através de deputados e senadores avulsos? Por obra
e graça do presidente? Pelos milicos? Não creio que os manifestantes estejam
pensando nisso.
Na Espanha, há dois anos atrás, também os jovens saíram às
ruas para protestar, entre outras coisas, contra os partidos. Na mesma semana
que os manifestantes acampavam no centro de Madri, houve eleições gerais e a
direita de Mariano Rajoy venceu o pleito com grande vantagem sobre o PSOE. Lá o
voto não é obrigatório e a juventude que brincava de revolta não foi votar e
deixou que tomasse o poder o partido que agora é o campeão do desemprego e da
recessão.
Mesmo que a grande maioria dos partidos políticos do Brasil
seja apenas um balcão de negócios sem programa nem ética alguma, ainda temos
siglas e políticos que não se sujaram, nem se venderam. Pelo contrário. Houve muitos deputados, federais e estaduais que deixaram o PT quando este chegou ao Palácio do Planalto por não concordar com
as alianças espúrias, por divergir de certas políticas. Poderiam ter ficado no
partido e desfrutado das benesses do poder. Não o fizeram e foram fundar o
Psol.
Muitas das bandeiras que os manifestantes agora empunham,
foram levantadas por políticos deste partido. O maior inimigo da cura gay e
outras imbecilidades propostas por parlamentares evangélicos é o Deputado Jean
Willys. O fim do voto secreto nas votações na Câmara dos deputados foi proposta
há muito tempo pelo Psol que também já se posicionou contra a PEC 37 e outras
armações do partido no poder. Será que essa gente não merece crédito? Será que
aqueles que pregam hoje contra os partidos sabem do que e de quem estão
falando?
Será que sabem que o Deputado Jair Bolsonaro já fez o mesmo
e pregou o fechamento do congresso no programa da Hebe alguns anos atrás? Será que
eles sabem quem é Bolsonaro? O que ele representa?
Será que esses manifestantes, que foram vitoriosos quando
pleitearam a redução de tarifas nos ônibus, não vêem para onde os estão
levando? Não vêem que a direita está dando pulinhos de contentamento com o rumo
que toma o movimento que nasceu justo e claro?
Será que ninguém desconfia do apoio da grande (?) imprensa.
Já se esqueceram que há dias atrás o movimento era execrado por essa mesma
imprensa por pedir que os tubarões do transporte baixassem os preços das
passagens? Já esqueceram a fala do Jabor? Dos editoriais do Estadão e da Folha? Nada mais perigoso do que gente que ouviu o
galo cantar e não sabe onde.
O que se tem chamado de indignação nas redes sociais, é
apenas uma crise histérica da classe média que sequer sabe o que criticar nas
ações dos governos. Por que não criticam a paralisia da reforma agrária? Por
que não falam da ocupação criminosa das favelas pela polícia que tem matado
todos os dias pessoas inocentes e executado supostos traficantes? Por que não
se fala do descaso do Governo Federal para com os índios? Por que não se
critica a Ministra Gleisi Hoffmann por querer subordinar as decisões da FUNAI, sobre
demarcações de terras indígenas, à EMBRAPA?
Ora, porque não vêem nisso uma falha do governo e sim uma
virtude. Para a maioria dos que apoiam as manifestações pelo computador ou
através da grande (?) imprensa, reforma agrária é coisa de comunistas e a ação
da polícia nas favelas do país é correta. É coerente. Pedir a extinção dos partidos
e apoiar a política de assassinatos por policiais, segue o mesmo ideário de
direita. Há alguns dias atrás, o que indignava essa gente era o bolsa família e
o sistema de cotas. O que recebia apoio, quase unânime, era o rebaixamento da
maioridade penal.
Os jovens que estão nas ruas merecem simpatia por
colocarem-se contra o absurdo do preço das passagens, tema que sequer toca a
vida de muitos deles. Ao posicionar-se ao lado dos mais pobres, que são os
usuários do transporte público, deram mostras de verdadeira indignação com as
injustiças. Agora estão se tornando inocentes úteis do golpismo. Massa de
manobra da direita sem discurso, sem candidato e sem moral para criticar o que
há de mais equivocado nesse governo.
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