Durante o estado novo, o DIPE prendia e arrebentava. Há uma
foto de Patrícia Galvão, a Pagu, com o rosto deformado depois de uma sessão de
porrada na polícia política. Pagú era moça rica e militante esquerdista, mas o
regime já estava naquela de reprimir qualquer contestação e havia democratizado
a tortura e o espancamento de opositores.
Já não eram só os líderes sindicais, comunistas e
anarquistas que sofriam a brutalidade da polícia, também os “bem nascidos” iam
parar nos paus de arara.
Como a memória histórica é curta, a classe média saiu
às ruas em 64 para apoiar o golpe civil-militar que derrubou João Goulart.
Eram as marchas da família com Deus pela liberdade.
Também nesse caso, as primeiras vítimas do novo regime de
força foram os líderes camponeses e sindicais, os comunistas, os socialistas e
os democratas legalistas. Com o passar do tempo, a classe média engajada nos
movimentos pela derrubada do regime começou a sofrer perseguições, prisões e
torturas. Para culminar veio o AI 5 para pôr na ordem do dia as prisões
arbitrárias e a tortura sistemática.
Líderes estudantis, artistas e
profissionais liberais, pertencentes às nossas classes dominantes sofreram toda
espécie de sevícias e maus tratos e muitos morreram nas sessões de tortura nas
instalações do DOPS e de outros órgãos de repressão.
Anos mais tarde eu caminhava pela Rio Branco rumo à
Candelária para participar do gigantesco ato público pelas eleições diretas. O
regime caía de podre, mas insistia no continuísmo. Nessa caminhada lembro-me de
ter visto várias senhoras, muito bem vestidas, que também iam se manifestar
pela redemocratização do país. Eu estava seguro que muitas delas haviam
participado, 20 anos antes, nas marchas de apoio ao golpe de 64. Também tive a
certeza que não as movia o sentimento da legalidade e sim o desencanto com o
regime que prometera reprimir somente comunistas e operários, mas acabara
metendo nos cárceres, matando e fazendo desaparecer seus filhos, parentes e
amigos. O regime as traíra.
Agora passa-se o mesmo.
Nas atuais manifestações contra o
aumento das passagens de ônibus, a polícia tem mostrado uma pequena parte de
seu arsenal repressivo. Estudantes são agredidos depois de presos, uma
jornalista levou um tiro no rosto, outro jornalista foi preso e espancado por
portar uma garrafa de vinagre. De um momento para o outro a classe média, que
seguia o discurso das redes de TV e dos jornalões, desqualificando o movimento
como coisa de vândalos e marginais, mudou o rumo da prosa. As imagens de jovens
brancos e jornalistas sendo agredidos pela polícia, fez ver a essa gente que ali
estavam os seus.
Pessoas que dias atrás apoiavam nas redes sociais a ação
repressiva da polícia nos morros e favelas e faziam chacota dos direitos
humanos, agora protestam contra a brutalidade policial.
Essa gente quer deixar claro que polícia foi feita pra
espancar e matar pobres, negros e favelados e não estudantes e jornalistas.
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