Uma vez, fui assistir a um espetáculo no teatro Marília, em
Belo Horizonte. Era uma encenação dos alunos de medicina da UFMG que encerravam
festivamente o ano letivo. Havia números musicais e esquetes cômicos. Isso foi
em 75 ou76 e a ditadura comia solta, mas os meninos da medicina não se
intimidavam e desancavam o regime com a única ferramenta de que dispunham: o
humor. Era uma coisa meio clandestina, pois naquela época todo espetáculo,
mesmo sendo amador, tinha de passar pela censura. Obviamente aqueles textos não
tinham o aval dos censores.
Pra quem não viveu aqueles tempos, deve ser difícil imaginar
o quanto era importante poder rir da ditadura e de seus sequazes num espaço
público, compartindo com outros o sentimento de estar do lado certo. Era uma válvula de
escape. Um respiro em meio à asfixia que o regime impunha.
Ontem li no portal Geledés um artigo sobre uma encenação dos alunos de
medicina da USP. Pois é, a USP, aquela universidade que está nas manchetes por
casos de estupro, assédio e outros que tais.
Era uma festividade de encerramento de ano tal qual a que
assisti em meados dos 70, em Belo Horizonte. Com uma grande diferença: o alvo
da comicidade não era um regime ditatorial e opressor. Eram as mulheres que,
depois de um caso de abuso ocorrido na faculdade, formaram um coletivo
feminista. Os pacientes pobres do Hospital Universitário, onde os alunos do curso
de medicina atendem, também eram alvo de chacota. Tampouco eram poupados
ex-integrantes da instituição que testemunharam os abusos que sofreram.
Também diferentemente daquele que assisti, o espetáculo da
USP não era aberto ao público. Era coisa só para alunos e familiares. Claro.
Será que os filhos das elites que estudam nas universidades públicas,
que nós pagamos, só se tornam decentes durante ditaduras?
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