domingo, 22 de julho de 2012

Capitu







Vou logo dizendo: é uma das minhas personagens femininas favoritas na literatura. Talvez você queira fazer uma correta ressalva que eu nem li tanto assim para começar a fazer listas de favoritos ou algo que o valha. Você tem razão Toda a razão. Mas em minha defesa eu poderia dizer que tantos fazem coisas parecidas que eu nem me acanho. Poderia também recorrer aos exemplos históricos. Li uma vez que Mussolini após ler o “Assim falava Zaratustra” resolveu escrever a história da filosofia ocidental. Acontece que a obra que Nietzsche fora a única que lera que poderia ser considerada, com boa vontade, dentro desse rol. Péssimo exemplo, você dirá, mais uma vez com toda a razão.
Mas sabemos que nem todos os livros e autores comentados foram realmente lidos. Um bom exemplo disso é Borges. Se todos que o citam e elogiam tivessem realmente lido o escritor argentino, sua obra concorreria com a Bíblia em edições e traduções. Não é, nem de longe, o caso.
Pelo menos o “Dom Casmurro” eu li e reli. Claro que a memória já me prega peças e há pouco tempo me dei conta, folheando a obra prima de Machado de Assis, que havia criado um outro capítulo para o “caso das libras esterlinas”. Como não sou crítico e nem tenho a pretensão de analisar nada, mas apenas falar do meu gosto pessoal por personagens, uso dessa frágil memória para mostrar minha simpatia por Capitu.
Como se pode sentir simpatia por uma personagem que não fala a não ser pela boca de seu acusador? Penso que quando nos aproximamos afetivamente de Capitu é porque já julgamos Bentinho. 
Ele é um homem brasileiro do século 19, rico, que estudou na Europa como convinha. Sua condição social lhe marcou a vida desde o nascimento. Prometido pela mãe para o sacerdócio, safa-se das obrigações clericais por sua condição de bem nascido. Sua mãe, ouvindo seu confessor, aceita a solução proposta por este e para cumprir a promessa feita ao santo, irá custear o ensino religioso de um pobre dando assim à igreja o padre que deveria ser o filho. Graças à bolsa dos pais Bentinho está livre para os olhos de ressaca de Capitu.
Quando o veneno da desconfiança se apossa do moço, é ele quem recolhe as provas, formula a acusação, julga, dá o veredicto e dita a sentença. Durante o processo que ele instaura, Capitu só tem o silêncio para nos convencer de sua inocência. Ainda assim duvidamos do acusador que, como homem de seu tempo, lugar e condição social, não aceita réplicas. Sua argumentação, verossímil demais para ser verdadeira, tem a lógica da autoridade com todos os vícios dos bem pensantes. Bentinho nasceu para mandar, seu mundo o obriga, sua condição social o autoriza. Sua posição de bom moço, marido amantíssimo, bem educado e bem formado o torna imune à dúvida e com seu veneno nos inocula. Sem embargo, seguimos simpatizando com Capitu pois mesmo se nos convencemos de seu adultério, ainda temos o poder de dar-lhe o que Bentinho, por sua condição social e temporal, não pode: o perdão.
A dúvida que temos há mais de 100 anos com relação a Capitu, antes de ser uma maldição é um consolo. Com sua certeza Bentinho aniquila a vida de todos os envolvidos no suposto adultério de Capitu, enquanto nós podemos ainda duvidar. Por outro lado se fôssemos crer totalmente na inocência da moça que tem olhos de cigana, oblíqua e dissimulada, estaríamos diante de uma dessas injustiças que nos poderia levar à descrença no amor e ao cinismo.
            Dom Casmurro é uma obra cuja melhor conclusão é a dúvida.






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