sexta-feira, 6 de julho de 2012

Malandro maneiro







Conheci o Joel no botequim que ambos freqüentávamos em Copacabana, no final dos anos 70 ou princípios dos 80. Era um cara baixinho e magro, de uma robustez nordestina, sertaneja. Alagoano, era um típico malandro carioca. Malandro no melhor e mais carioca dos sentidos. Sabia levar a vida. Batalhava sempre e muito. Foi ajudante de pedreiro, apontador de obra, camelô, bicheiro, o diabo.
Fumava um, que comprava sempre na Cidade de Deus. A de Deus, como ele chamava. Também gostava de uma birita e nos tempos duros dividíamos os venenos que o João, sócio do botequim, arranjava pra gente. Esse veneno consistia numa mistura de muitas bebidas pouco pedidas: creme de ovos, vinho de catuaba, bíter, um vermute de marca suspeita e pra completar o copo grande, cachaça barata. Dava pra ficar doidão sem dar prejuízo ao nosso amigo do botequim. No fim do expediente, ajudávamos a lavar a casa e ainda comíamos os bifes de fígado e pedaços de galinha cozida que a clientela havia desprezado. Foi o melhor dos tempos, era o pior dos tempos, como disse o escritor inglês.
Sua época de prosperidade foi quando vendia plaquê na Av. Copacabana. Como não tinha conta em banco quem guardava seus ganhos era o João. O bar era seu banco. Depois veio um tempo escuro. Joel continuava indo ao bar. Eu também. Nunca o vi reclamar da vida nem pôr a culpa de suas desditas em outro. Levava tudo muito filosoficamente.
 Joel falava o idioma do povo, e nele era mestre. Sua narrativa malandreada do mito bíblico de Sansão e Dalila, foi uma das coisas mais saborosas que já escutei.
Nossos papos, naquelas noites de botequim, não eram sobre a vida de um ou de outro, eram sobre a vida. Joel  não tinha nenhuma afetação nem pose de malandro. O cara não se dizia, era.
Jamais me falou de família, só de momentos bons da infância em Alagoas. Era um cara só. Pelo menos no Rio não contava com ninguém.
Tínhamos uma amizade de botequim, respeitosa e discreta. Nunca soube nada de sua vida amorosa e só conheci um endereço seu quando ele me apresentou a uma amiga com quem tive um caso. Ambos moravam no mesmo prédio no Bairro de Fátima. No meio dessa minha história com essa mulher, houve algo envolvendo bagulho que sujou a barra dele junto a alguém com quem dividia o apartamento ou algo assim. Não lembro bem.
Mesmo depois de já estar casado e não freqüentar mais o botequim de Copacabana, eu sempre encontrava o Joel pelas ruas do Rio. Escrevendo bicho. Quando nos víamos ele abria seu franco sorriso e saudava: _Grande Mineiro. Púnhamos os assuntos em dia e zombávamos da vida. A última vez que o vi foi em 92.
 Em plena era Collor, eu tinha minha banca de camelô próxima ao metrô da Glória. Eu chegava cedo para ver se vendia algo pra alguém indo pro trabalho e aí ficava até o sol se pôr. Na maioria dos dias eu só arrumava pro pão com mortadela e um limão pra limonada. Foram tempos duros.
Um dia vi passar o Joel e o chamei. Tivemos um de nossos papos, falamos daqueles dias bicudos e ele me contou que estava correndo atrás. Havia perdido o emprego numa banca de bicho pois com a queda do movimento o gerente do ponto resolveu despedir um dos escreventes. Joel se prontificou a deixar o trabalho pois o outro cara que escrevia tinha família e precisava mais do salário. Velho malandro maneiro.

Um comentário:

  1. Grandes "Js". Joel, Joao, Jorge...
    Obrigado por mais esta entrega, Aurelio querido y extrañado.

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