O vício é
antigo. Muito antes de existir internet, quando a TV, os jornais e o rádio ainda
eram em preto e branco, eu já lia a seção de cartas dos leitores.
Sempre me
intrigou que alguém escrevesse cartas para os jornais. Havia que escrevê-la,
ir até o correio, pagar o selo e metê-la na ranhura da caixa coletora para,
talvez, vê-la publicada dias depois com os devidos cortes e correções ortográficas
feitos pelo senhor editor.
Pelo geral, eram
cartas cobrando medidas das autoridades ou criticando alguma matéria do próprio
jornal. Mas também as havia enaltecendo o papel dos militares no comando do
país. Outras faziam furibundas defesas da família e dos bons costumes que se
julgava corrompidos.
As opiniões,
quase sempre conservadoras, ou mesmo reacionárias, desses missivistas me
pareciam ser coisa daqueles tempos bicudos. Não eram tempos de contestações por escrito
com nome e endereço. Ninguém iria facilitar
o trabalho da repressão que via em qualquer manifestação de opinião
independente uma ameaça ao estado, à família e à propriedade. Escrevia e
assinava quem estava a favor, ou pior, quem estava mais a favor que os
favorecidos.
Depois larguei
mão. Passei anos sem ler jornais só voltando a eles depois que ficaram
gratuitos na rede de computadores. E, claro, voltei a ler os leitores que,
indignados ou simplesmente chatos, escrevem. Acho que só para dar sopinha para
meu masoquismo. Pois acontece que sofro. Cada vez que leio as manifestações
desses leitores, sofro. Sofro e continuo lendo. Leio e continuo sofrendo. Freud
explica.
Não há matéria
que não mereça os comentários mais absurdos, mais caretas, mais reacionários
desses decifradores do mundo. Sem o problema da exigüidade de espaço que havia
nos jornais de papel, as manifestações são inúmeras e prolixas. Do biquíni da
Beth Faria aos protestos dos meninos mascarados; da espionagem americana à liberação
da maconha, nossa sociedade, tão bem representada pelos escritores de cartas
para jornais, continua dando mostras de cretinice sem limites nos comentários
que faz.
Se tempos atrás,
associávamos os comentários mais conservadores e rançosos a velhos milicos de
pijama e senhoras mal amadas, hoje, é entre a juventude que encontramos seus
autores. Meninos e meninas expõem sua total falta de sensibilidade e bom senso
comentando sobre tudo e sobre tudo deixando a marca do preconceito, da idéia
fixa, do reacionarismo. Xenofilia, racismo, homofobia e misoginia fazem parte
do seu cotidiano de escribas.
E o pior, numa
linguagem e escrita que precisam ser decifradas. Não falta nem o "com cordo" nem
o "consertesa".
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