quinta-feira, 21 de junho de 2012

Chuchu com camarão







Já ouvi muita gente dizer:_”Eu adoro chuchu com camarão”. Depois faz humm e revira uzoim. A frase e o teatral acompanhamento têm o selo da falsidade. Ninguém adora chuchu com camarão. Sequer gosta de chuchu com camarão. As pessoas gostam é de camarão.
O crustáceo é consumido puro, ao alho e óleo, frito, empanado, no espetinho, na moranga. Já o chuchu, só refogado na necessidade. Mas o camarão custa, como sempre custou, os olhos da cara enquanto o chuchu é barato. O camarão é fruto do mar oceano, o chuchu fruto de quintal. Não existe latifúndio de chuchu nem o BNDES tem linha de crédito especial para seu plantio. O camarão viaja de navio e até de avião pelo mundo. O chuchu, de caminhão Chevrolet da lavoura pra feira. Em toda parte camarão é iguaria. Chuchu, o quarto estado da água.
Imagino que a insólita combinação tenha origem num tempo em que a pobreza era menos envergonhada de ser pobre e uma mãe caiçara ou manezinha  podia dizer à sua prole:_Hoje só tem chuchu... mas é com camarão. Depois da decepção, o sorriso da meninada. Mas os tempos são outros e a fórmula de alegrar meninos pobres foi incorporada pela classe média.
Apoio minha teoria do berço humilde da receita no fato do chuchu preceder o camarão no enunciado, diferente de outras fórmulas que colocam em destaque o que veio das redes deixando em segundo plano o que chegou no caixote.
Na enganadora receita, o chuchu entra como Pilatos no Credo. Faz figuração, enche o palco. Sua função culinária é fazer aquela bandeijinha de 600 gramas de camarão, sem descontar o gelo, virar uma refeição para a família e convidados. Servido com um volumoso acompanhamento de arroz e molho encorpado, o blefe gastronômico ainda ilude muitos incautos. Estes, além dos falsos e dos sugestionáveis, são os que dizem, revirando uzoim:_”Adoro chuchu com camarão, humm!”
Mas, verdade seja dita, o chuchu já salvou muita dona de casa que, envergonhada de servir uma honesta sardinha frita, apelou para a planta humilde e adornou seu cardápio.
O chuchu também tem contribuído para a prosperidade de doceiros e afins, mas estes não fazem como a ruborizada dona de casa ou o empertigado “chef” que anunciam o conluio de seus ingredientes. Não. Doceiros e afins (seja lá o que possa ser entendido como afins) escamoteiam suas receitas e não estampam em seus potes e latas a colaboração indispensável do chuchu. Jamais vimos num rótulo seu nome ao lado de frutos mais nobres. Nunca um doceiro fez reclame de geléia de goiaba e chuchu ou doce de chuchu com marmelo. Muito menos os afins.
À sombra da modesta trepadeira floresceram indústrias, banquetes foram servidos e muita gente tirou o pé da lama mercadejando manjares que só puderam chegar à boca do pobre graças ao chuchu. Mas a verdade é uma só e deve ser proclamada: Ninguém gosta de chuchu.

Um comentário:

  1. Como sempre, tudo escrito pelo senhor JG, e impecavel, praseiroso de ler e instrutivo. Nao sei o que o resto de seus assiduos leitores pensarao e eu nunca gostei de ser excepcao. Mas eu ADORO chuchu, desde da palavra doblesilabica ao gosto refrigerante. Adoro, mas faz decadas que nao como... Mas nao e por isso

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