Muitas vezes recorro às minhas
lembranças de outros tempos para pensar sobre fatos atuais. Creio que é coisa
de quem vai ficando velho e sabe que os dias vindouros serão poucos comparados
aos passados. Muita coisa que ouço, vejo e leio, tem o gosto, o aroma, a pele
do déjà vu (desculpe o estrangeirismo). Ontem mesmo, estava feliz pela
contratação de Ronaldinho Gaúcho pelo Galo e escutando nossa crônica esportiva
comentar o fato, me lembrei de Afonsinho.
Em 74, o jogador do Botafogo conseguiu na justiça o passe livre e se tornou o
primeiro jogador de futebol a ser dono de sua vida profissional. Antes disso,
enquanto travava uma batalha judicial pelo seu direito de ir e vir, a crônica
esportiva da época implicava até com sua barba. Estávamos no período mais negro
da ditadura. A rebeldia de Afonsinho tinha de ser punida de qualquer maneira e
na falta de argumentos sua barba servia de mote para críticas de jornalistas
que deveriam escrever sobre futebol. O jogador, estudante de medicina, podia
freqüentar seu curso e fazer dissecações usando sua volumosa barba, mas jogar
futebol, não. Claro que o problema era outro. Um jogador de futebol ousara pensar.
A imprensa, principalmente a esportiva, em sua
grande maioria é servil e careta. Sempre foi assim. Naqueles tempos até a
polícia política perseguia Afonsinho e há relatórios do serviço secreto da
ditadura dando conta das excursões do Santos quando o jogador se transferiu
para o time peixeiro, já dono de seu passe. Certamente os boçais agentes da
boçal ditadura viam no fato de Afonsinho ser universitário e rebelde, um claro
indício de ligações com o comunismo internacional. A imprensa fazia eco e
ajudava na marginalização do atleta. Exceção feita a João Saldanha que sempre
defendeu Afonsinho e os jogadores em geral.
A bola da vez é Ronaldinho
Gaúcho. Não que o craque tenha atitudes rebeldes e contestadoras. É apenas um
cara que gosta de festas e mulheres. Bastou. Qualquer falha sua nos gramados desata
uma indignação da imprensa que deveria ser usada, por exemplo, no caso do menino Wendel,
que morreu durante uma peneira do Vasco. Não foi.
Assistindo o programa Linha de
Passe da ESPN Brasil (?), pensei ter voltado no tempo. Vi-me de novo diante da
inquisição moralista dos anos de chumbo. A contratação de Ronaldinho pelo Galo
foi tratada por Juca Kfouri como “insânia”. Daí em diante evocou-se Freud, a Constituição,
Marx e o escambau para desqualificar o jogador, seu irmão e procurador, Assis,
o presidente do Galo, Alexandre Kalil e os torcedores atleticanos contentes com
a contratação daquele que por duas vezes foi eleito o melhor jogador de futebol
do mundo, jogou duas copas e foi campeão de uma delas.
No programa, Paulo Vinícius
Coelho, abrindo o manual do bom mocismo, detalhou os passos que Ronaldinho
deveria ter dado no episódio da ruptura com o Flamengo. Kfouri, para acompanhá-lo,
disse três vezes a palavra moleque, referindo-se ao jogador. O balbuciante
Calazans, que não assiste um treino desde o primeiro de Garrincha em General Severiano ,
afirmou que mesmo querendo Ronaldinho não consegue mais jogar futebol. Márcio
Guedes, comentando o salário que o craque receberá no Atlético, citou duas
importantes rádios do Rio que afirmaram que o Gaúcho iria ganhar 20% mais do
que o Flamengo ficava lhe devendo a cada mês. Você já ouviu a programação esportiva
das principais rádios do Rio? Conhece algo pior? Acha que alguma informação
veiculada por essas rádios merece ser citada em conversa do botequim?
Mas não foi só. O tom das
críticas foi subindo à medida que esgotavam os argumentos e o xenófilo
comentarista Mauro Cézar Pereira torceu os números e antes que alguém (em sua
casa, no estúdio reinava a mais burra das unanimidades) pudesse argumentar que
Ronaldinho marcou 14 gols pelo Flamengo no campeonato brasileiro do ano passado
e foi protagonista numa das melhores partidas de futebol já jogadas no planeta,
chamou isso de brilhareco. A tudo, Nerso da Capitinga, o condutor do programa,
assentia.
Paulo Vinícius Coelho também
falou do “produto” Ronaldinho. Kfouri mencionou sua falta de carisma
comparado-o a Ronaldo Fenômeno. Mister
Magoo balbuciou algo sobre o olhar de robô do R 10. Foram unânimes: Ronaldinho Gaúcho não era um
bom profissional.
Se Ronaldinho fosse um assíduo
freqüentador de programas esportivos não se falaria de sua falta de carisma. Se
fosse garoto propaganda das marcas patrocinadoras das emissoras, sua vida fora
dos gramados seria esquecida. Se fizesse o discurso do atleta de vida regrada, poderia viver no departamento médico de chinelinho como ocorre com muitos
jogadores “sim sinhô” que não agüentam um jogo inteiro mas são queridinhos da imprensa careta.
Esqueceram-se, os senhores comentaristas,
que Ronaldinho esteve em campo pelo Flamengo em quase todos os jogos do time em
2011. Foi o artilheiro do campeonato enquanto o clube mais avacalhado do Brasil
fingia que pagava seus salários. Com seus gols deixou a time em terceiro lugar
no Brasileiro e com vaga na Libertadores. Nesse período voltou à Seleção por seus
méritos e gols. Não é possível que em alguns meses ele já não possa mais jogar
futebol como afirmou Magoo Calazans.
Um vídeo divulgado pela
diretoria do Flamengo com o intuito de baixar a conta do que deve ao craque e
que teve ampla difusão pela imprensa, mostra Ronaldinho Gaúcho entrando no
quarto de uma mulher num hotel onde o time estava concentrado. Até o libertário
Juca kfouri fez disso um caso. Ora, um homem solteiro come uma mulher de noite. De
manhã veste seu uniforme de treino e vai cumprir suas obrigações. Isso não
acontecia na democracia corinthiana? Isso não acontece em todos os clubes nos
quais a concentração foi abolida? Vai agora o Juca Kfouri fazer apologia dos
benefícios do regime de concentração de atletas? Por fazer sexo, Ronaldinho
estaria pondo em risco seu desempenho em um treino?
Assim como no tempo de
Afonsinho, a imprensa continua querendo ditar regras morais e de comportamento
aos atletas. Não importa que a tal vida desregrada levada por muitos não lhes
provoque danos (Ronaldinho jamais teve uma contusão séria), importa sim, seguir
a cartilha do bom moço, comparecer aos programas esportivos mesmo durante as
férias e tornar-se um produto vendável para toda a família.
MEU DEUS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirATÉ QUE ENFIM EXISTE ALGUÉM INTELIGENTE! VI UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL!DESCULPE MINHA IGNORÂNCIA, NÃO PRESTEI ATENÇÃO NO NOME DO DONO DO BLOG, MAS FOI A ÚNICA COISA ESCRITA INTELIGENTE E SENSATAAAAAAAAAAAAAAAAAAA QUE LI NOS ÚLTIMOS ANOS.AHHHH E SÓ PRA COMPLETAR, A TODA A IMPRENSA QUE FALA MUITO MAL DO RONALDINHO GAÚCHO, TENHO UMA DÚVIDA, ELE GERA MUITO IBOPE NO PROGRAMA DE VOCÊS, FAZ ALAVANCAR ALTOS ÍNDICES DE AUDIÊNCIA, CASO CONTRÁRIO, VCS NÃO FALARIAM TANTOOOOOOOOOOOOO DELE!!!!