Nelson Rodrigues já dizia que no
Maracanã se vaia até minuto de silêncio. É verdade. Mas se para o grande
escritor isso causava uma certa graça, para os neo-jornalistas de hoje é motivo
de sérias críticas. Comparam a atitude das torcidas brasileiras com a dos
ingleses e sempre repetem que nos estádios da Inglaterra se escuta uma mosca
voando quando se presta a homenagem silenciosa. Também isso é verdade, mas por
que se faz a comparação? Para nos deixar mal.
A classe social da qual provêem
os neo-jornalistas odeia o Brasil. O Brasil e os brasileiros. Querem que
sejamos qualquer coisa, menos brasileiros. E se existe um povo que sintetiza
nossa maneira de ser, esse povo é o carioca. Debochado, irreverente, pouco dado
às mesuras e convenções pequeno burguesas, o povo carioca dos morros e
subúrbios não se deixa engabelar pelas pompas do mundo. Vaia.
No afã de menosprezar o povo, os
neo-jornalista não vêem o óbvio. Se na Inglaterra e em outros países a
homenagem silenciosa é prestada a figuras queridas e conhecidas, entre nós não
se dá o mesmo. Homenageiam-se ilustres desconhecidos.
Os ingleses são cobras em
matéria de cerimonial. Séculos de monarquia os tornaram mestres do rapapé.
Quando vão prestar uma homenagem póstuma num estádio de futebol, certamente o
homenageado terá pertencido às fileiras do clube que ali manda seus jogos,
geralmente um ex-jogador, um ex-técnico, um ex-presidente que tenha influído na
história da agremiação. Não se fazem homenagens em casa de adversário nem com
chapéu alheio.
No Brasil o minuto de silêncio
serve para que o homenageado tenha o nome dito na televisão para regozijo de
seus enlutados familiares, nada mais. Nem o público no estádio nem os jogadores
nem o árbitro, sabem de quem se trata. Se assistimos o jogo pela TV, somos informados
por um diligente repórter de campo da razão da homenagem. Pelo geral o alvo do
tributo é um ex-conselheiro do clube, um ex-presidente de federação, um
jornalista esportivo aposentado. Mas há casos mais intrigantes. Certa vez,
depois de muito apurar, a reportagem descobriu que se faria o minuto de
silêncio pela morte de um ex-jogador. O detalhe era que o atleta falecido tinha
sido jogador do Flamengo nos anos sessenta mas na modalidade de basquete.
Ano passado eu ouvi que a
homenageada era a mãe de um conselheiro do clube mandante que falecera na
precoce idade de 87 anos. No último fim de semana, não lembro em qual dos jogos
que assisti, prestou-se homenagem póstuma a um ex-conselheiro. Claro que
enquanto o árbitro e os jogadores fingiam grande recolhimento, a torcida
entoava seus cantos e batia seus bumbos.
Para reduzir o tempo de vaias e
palavrões, enquanto o ilustre desconhecido é homenageado, o minuto de silêncio
nunca ultrapassa os 30 segundos.
Quando é justa a homenagem
póstuma, o torcedor brasileiro mostra seu afeto e seu respeito, à nossa
maneira. Não sabemos nos fingir de mortos à moda britânica. Carnavalizamos,
assim como fazemos nos velórios e gurufins.
Na final do returno do último
campeonato carioca, jogaram Vasco e Botafogo. Na véspera havia morrido Dicró.
Vascaíno famoso, o cantor recebeu a homenagem póstuma antes do jogo. Toda a
torcida do Vasco gritou seu nome. Sem ensaio, sem cerimonial previamente
concebido.. Silêncio não se fez. Foi, isso sim, um minuto de sonora
identificação de vascaínos com outro vascaíno, do povo com o cantor popular.
Lamentavelmente a torcida do Botafogo não se incorporou à homenagem.
Raramente se vê em um estádio
brasileiro uma homenagem póstuma sendo prestada a um ex-jogador. Mas não é a
torcida que o esquece. São os dirigentes e a imprensa. Mesmo antes da morte são
esquecidos pela vaidade daqueles e a futilidade desta. O cúmulo do esquecimento proposital deu-se
não faz muito tempo.
O Internacional de Porto Alegre
organizou uma festa para comemorar o título do Mundial Interclubes. O
convescote aconteceu pouco tempo depois da conquista e para seletos convidados.
Sócios, beneméritos, conselheiros (esses estão em todas) e imprensa festiva lá
estavam. Também presentes, os jogadores. Menos um: Adriano Gabiru, que já havia
sido dispensado pelo clube, não foi convidado. Pra quem não se lembra, foi dele
o gol do título.
Dentro de pouco tempo, ouviremos
que o minuto de silêncio que será respeitado antes de um jogo no Beira Rio, é
uma homenagem póstuma a um dirigente do clube que participou, sabe-se lá como,
da conquista histórica.
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