Quando nos anos 70, Pedro Nava lançou sua gigantesca obra
de memorialística, crítica e público acorreram em aplausos. Estávamos diante de
um monumento. Não havia como ignorar aquele monólito erguido nas nossas letras.
Houve, claro, vozes que não se mostraram tão entusiasmadas. Melhor assim, ou
estaríamos vivenciando uma burra unanimidade.
Mas não foram os homens de letras a encontrar senões nas
memórias do Dr. Pedro. Foram seus pares da medicina que se mostraram
melindrados pela escrita do mestre mineiro.
Acontece que Pedro Nava, defendia que, na pirâmide
social, o médico deveria situar-se entre as classes médias. Bastou. Uma simples
digressão, numa obra que nada tinha de panfletária nem se propunha a defender
posições, pôs os médicos em polvorosa. Alguém estava dizendo que o sagrado
direito dos médicos de tornarem-se ricos, milionários, não era nada sagrado.
Nava não foi um médico qualquer. Na sua especialidade, a
traumatologia, (se a memória não me trai) além de clinicar publicou trabalhos
científicos, notabilizou-se. Recebeu homenagens, títulos, o escambau. Mas com
as memórias começou a desagradar colegas seus.
Creio que médicos, que já militavam naquela época, dirão
que não, que nunca houve diatribes contra Nava e suas memórias. Deixe que eu
diga: houve sim.
Claro que aquela indisposição contra Nava e sua visão
anti-mercantilista da medicina, nem de longe se assemelha ao que vem
acontecendo hoje com relação aos médicos cubanos que o governo trata de trazer
para tentar melhorar o atendimento da saúde em nosso país. Hoje o que se vê é
algo surrealista.
Desde que o governo federal lançou o programa “Mais
médicos”, os profissionais da saúde foram tomados pela mais descontrolada
histeria. Não há outra maneira de qualificar os “argumentos” que os médicos e
seus órgãos representativos esgrimam na defesa de sua reserva de mercado.
Esses órgãos, agora tão ciosos da saúde da população,
querem nos fazer crer que qualquer estrangeiro profissional da medicina que não
fizer uma estúpida provinha é um incompetente ou um charlatão. Mas não fica por
aí a histeria dos médicos brasileiros.
Nossos doutores, recordistas mundiais em cesarianas e no
diagnóstico de viroses, agora falam que os médicos cubanos trazidos para cá,
trabalhariam em condições análogas à escravidão. Querem fazer crer que além de
preocuparem-se sobremaneira com a saúde da população, também são defensores dos
direitos trabalhistas dos profissionais cubanos.
Mas a quem querem enganar os médicos e seus representantes
com essas e outras afirmações? A nós que freqüentamos os hospitais e postos de
saúde? Que assistimos cenas de médicos fraudando os relógios de presença com
dedos de silicone? Que não somos atendidos por que o médico não apareceu para trabalhar
na véspera do feriadão? Sim, a nós
mesmos. E olha que conseguem algum sucesso com a manobra.
Isso porque a vinda de médicos cubanos tornou-se um fato
político e não de saúde pública e nossa classe média, que pode queixar-se dos
seus planos de saúde e não freqüenta as filas do SUS, está pouco se lixando
para a saúde da população pobre e desatendida e faz coro com os médicos num
anti-comunismo anacrônico e imbecil.
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