terça-feira, 27 de agosto de 2013

Os médicos brasileiros e a guerra fria


                Quando nos anos 70, Pedro Nava lançou sua gigantesca obra de memorialística, crítica e público acorreram em aplausos. Estávamos diante de um monumento. Não havia como ignorar aquele monólito erguido nas nossas letras. Houve, claro, vozes que não se mostraram tão entusiasmadas. Melhor assim, ou estaríamos vivenciando uma burra unanimidade.
                Mas não foram os homens de letras a encontrar senões nas memórias do Dr. Pedro. Foram seus pares da medicina que se mostraram melindrados pela escrita do mestre mineiro.
                Acontece que Pedro Nava, defendia que, na pirâmide social, o médico deveria situar-se entre as classes médias. Bastou. Uma simples digressão, numa obra que nada tinha de panfletária nem se propunha a defender posições, pôs os médicos em polvorosa. Alguém estava dizendo que o sagrado direito dos médicos de tornarem-se ricos, milionários, não era nada sagrado.
                Nava não foi um médico qualquer. Na sua especialidade, a traumatologia, (se a memória não me trai) além de clinicar publicou trabalhos científicos, notabilizou-se. Recebeu homenagens, títulos, o escambau. Mas com as memórias começou a desagradar colegas seus.
                Creio que médicos, que já militavam naquela época, dirão que não, que nunca houve diatribes contra Nava e suas memórias. Deixe que eu diga: houve sim.
                Claro que aquela indisposição contra Nava e sua visão anti-mercantilista da medicina, nem de longe se assemelha ao que vem acontecendo hoje com relação aos médicos cubanos que o governo trata de trazer para tentar melhorar o atendimento da saúde em nosso país. Hoje o que se vê é algo surrealista.
                Desde que o governo federal lançou o programa “Mais médicos”, os profissionais da saúde foram tomados pela mais descontrolada histeria. Não há outra maneira de qualificar os “argumentos” que os médicos e seus órgãos representativos esgrimam na defesa de sua reserva de mercado.
                Esses órgãos, agora tão ciosos da saúde da população, querem nos fazer crer que qualquer estrangeiro profissional da medicina que não fizer uma estúpida provinha é um incompetente ou um charlatão. Mas não fica por aí a histeria dos médicos brasileiros.
                Nossos doutores, recordistas mundiais em cesarianas e no diagnóstico de viroses, agora falam que os médicos cubanos trazidos para cá, trabalhariam em condições análogas à escravidão. Querem fazer crer que além de preocuparem-se sobremaneira com a saúde da população, também são defensores dos direitos trabalhistas dos profissionais cubanos.
                Mas a quem querem enganar os médicos e seus representantes com essas e outras afirmações? A nós que freqüentamos os hospitais e postos de saúde? Que assistimos cenas de médicos fraudando os relógios de presença com dedos de silicone? Que não somos atendidos por que o médico não apareceu para trabalhar na véspera do feriadão?  Sim, a nós mesmos. E olha que conseguem algum sucesso com a manobra.
               Isso porque a vinda de médicos cubanos tornou-se um fato político e não de saúde pública e nossa classe média, que pode queixar-se dos seus planos de saúde e não freqüenta as filas do SUS, está pouco se lixando para a saúde da população pobre e desatendida e faz coro com os médicos num anti-comunismo anacrônico e imbecil.




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