sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O crime da pobreza


                Acabo de ver no facebook a foto de um rapaz muito simpático trajando uma camiseta com os dizeres, "sou catador". Abaixo da foto, entre parênteses, uma citação provavelmente dele. Aí se lê: “A gente tem que romper com esse paradigma que reciclagem é coisa de gente pobre ... Reciclagem é coisa de gente inteligente”. Vê? Embora vista uma camiseta na qual se lê que ele é catador, o rapaz simpático não gosta que sua atividade seja vista como algo de pobres. Contrapondo pobreza e inteligência, ele escolhe o lado e tira do pobre a capacidade de atilamento.
                 Reciclagem é, sim, coisa de pobre. Nenhum remediado vai pôr-se a catar os restos dos outros por amor à natureza. Há que ser pobre para aceitar ganhar uma ninharia por toneladas de detritos. A classe média faz-se de consciente do problema ambiental e separa suas latinhas e garrafas, mas catar restos é com os pobres, com os necessitados, com os despossuídos.
                Mas se esse simpático rapaz expressa seu preconceito para com a pobreza mesmo sendo pobre, é o estado que desempenha papel fundamental na sua marginalização e criminalização.
                Os atos de reintegração de posse de áreas ocupadas, que deveriam ser vistas como de interesse social, são praticados com a violência habitual de nossas polícias quando de pobres e favelados se trata. Usam-se bombas de efeito moral e gás lacrimogênio para atacar mulheres, idosos e crianças. Destroem-se moradias que custaram o suor e o sacrifício das pessoas que, sem nenhum apoio do estado, as construíram. Trabalhadores são espancados e presos sem que isso provoque a indignação da classe média e dos meios de comunicação tal qual ocorre quando um manifestante ataca uma agência bancária ou uma loja de artigos de luxo.
                E agora tem as polícias pacificadoras que levam o terror aos morros e favelas do Rio. Na sua incapacidade de combater o que o estado quer que seja crime, o consumo e venda de drogas, esse mesmo estado instaura a ocupação armada de comunidades pobres. Proíbem-se os bailes funk, viola-se o direito de ir e vir dos moradores, principalmente dos jovens, e é como se nada houvesse acontecido. Balas perdidas ceifam vidas e os policiais, acobertados pela imprensa, mesmo antes de qualquer perícia, dão como certo que elas partiram das armas dos bandidos. Ato de resistência é o eufemismo usado para justificar os assassinatos de supostos traficantes.
                A OAB não se pronuncia, o Ministério Público nada faz, os meios de comunicação se mostram francamente favoráveis à ocupação armada. Os cientistas sociais que freqüentam os estúdios das emissoras de TV fazem apologia do estado policialesco. A repressão é vista como solução para o problema da violência que é, em última análise, gerada pelas leis proibicionistas.
                Nas últimas semanas, o desaparecimento do pedreiro Amarildo numa comunidade “pacificada” foi narrado nos noticiários de TV no mesmo tom neutro que os repórteres usam para falar de acidente de trânsito. Até o boletim do tempo tem merecido mais entusiasmo.
                O caso não é único. Não é o primeiro cidadão pobre que desaparece depois de ter sido abordado pela polícia. O que há de novidade é que a família de Amarildo não se intimidou em denunciar seu desaparecimento e as circunstâncias em que isso se deu. Mas a indignação, nossa imprensa guarda para os vidros quebrados e os carros de luxo pichados nas manifestações.


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