sábado, 16 de junho de 2012

O que é ruim a gente esconde.







Aconteceu há alguns anos atrás. O então ministro da fazenda, Rubens Ricupero, concedia uma entrevista nos estúdios da TV Globo. Veio o intervalo comercial e alguém esqueceu de desligar algum botão. Quem via o programa pela parabólica pode ouvir o diálogo que o ministro matinha informalmente com o jornalista Carlos Monforte, um parente seu. Cuidava-se da eleição de Fernando Henrique, e Ricupero pronunciou a frase que durante semanas ocupou o noticiário: “O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”.
A frase infeliz culminou com a demissão de Ricupero mas não abalou a candidatura de FHC, que venceu aquela eleição no primeiro turno. O frasista acidental hoje aparece nas TVs para engrossar o rol dos palpiteiros profissionais. Ninguém lhe cobra pela desastrosa sinceridade.
Uma atitude como a do ex-ministro nem de longe causa espanto quando pensamos nos políticos. Ao fim dos quatro anos de seus mandatos, todos eles falam das proezas de suas administrações embora saibam que muitos de seus eleitores conheçam a outra face da moeda. Mas para os incautos, escondem até viaduto caído.
Agora, quando a imprensa tenta esconder fatos conhecidos por muitos, ingenuamente ainda nos surpreendemos.  É isso o que tem acontecido na Eurocopa.
As TVs que exibem a competição nada nos contam dos sérios problemas havidos nos países sede. A morte, confirmada, de um torcedor espanhol nem sequer foi comentada. Muito menos outras duas, de torcedores poloneses, que as autoridades do país negam. Os atos de racismo acontecidos nos estádio e nos centros de treinamentos não merecem nem uma menção. Durante as transmissões dos jogos, aparecem risonhas criancinhas e felizes torcedores. Um narrador com voz de idiota põe legendas nas cenas mostradas pela organização do torneio.
Apenas uma briga envolvendo torcedores russos e polacos foi ao ar, mas os comentários feitos enquanto as cenas eram exibidas, traziam elogios à atuação da polícia e muitos eufemismos.
O SBT, que não transmite a copa, mostrou jogadores franceses negros sendo hostilizados por racistas ucranianos num local que parecia ser um centro de treinamentos. A mesma emissora também exibiu cenas da briga entre russos e polacos muito mais extensas que as que vimos nos canais que detêm os direitos de transmissão da Eurocopa.
Mesmo antes de iniciar-se a competição, a BBC exibiu uma longa reportagem sobre a violência nos estádios poloneses e ucranianos dando ênfase ao aspecto racista das manifestações dos torcedores. Autoridades dos países anfitriões mostraram-se indignados com o que chamaram de “hipocrisia inglesa”. E não sem razão.
Especialistas no “o que é ruim a gente esconde”, os súditos de Sua Majestade Elizabeth II, não se acanham em apontar o dedo para problemas alheios. Quanto ao que sucede dentro de sua ilha, fazem discreto silêncio. Ou por outra, inventam as mais deslavadas desculpas que só um membro da imprensa brasileira é capaz de dar crédito. Isso acontece sempre que num jogo do campeonato inglês há uma invasão de campo e a imagem do invasor não é mostrada sob o argumento de que é isso que querem os penetras: aparecerem na TV. Ora, a maioria dessas invasões se dá em conseqüência de apostas entre amigos. Muitos pelados que surgiram em campos e quadras esportivas, deram essa explicação após serem detidos. Não passa de brincadeira mas deixam a nu a fragilidade da segurança. E isso não se mostra.
Quando quebraram a perna de Eduardo da Silva, o brasileiro que joga na seleção da Croácia e defendia o Arsenal, a TV inglesa não mostrou a agressão do jogador inglês argumentando que era uma imagem muito forte, que poderia ferir a sensibilidade de alguém. Se formos acreditar nisso chegaremos à conclusão que os ingleses são poupados das cenas da fome na África e dos massacres na Síria. Mas sabemos que pernas quebradas em gramados da Inglaterra são frutos de um tipo de arbitragem que é orientada para “deixar o jogo correr” e assim tornar o espetáculo esportivo mais palatável para os que não manjam muito do jogo da bola. Logo, há que esconder.
Mas enquanto nossa imprensa presta vassalagem a qualquer estupidez que venha do velho continente, podemos contar com a mal disfarçada antipatia que os europeus sentem uns pelos outros para obtermos alguma informação sobre os acontecimentos de lá.
Assim como a BBC foi quem mais falou das mazelas dos países sede da Eurocopa, foi a TV francesa quem produziu um ótimo documentário sobre o desastre marítimo recentemente ocorrido na costa italiana com um navio operado por uma companhia italiana no qual seu comandante italiano abandonou o barco e deixou que os passageiros se virassem sós.
Em 2014, pode ter certeza, nenhuma imagem será sonegada. Cada falha na organização da copa ou na segurança. Qualquer turista assaltado ou criança perdida, terá total cobertura de nossa imprensa que não poupará esforços para mostrar ao mundo o quanto somos incompetentes. O jornalismo brasileiro provará que no Brasil só se salva o jornalismo brasileiro.


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