Aconteceu há alguns anos atrás. O
então ministro da fazenda, Rubens Ricupero, concedia uma entrevista nos
estúdios da TV Globo. Veio o intervalo comercial e alguém esqueceu de desligar
algum botão. Quem via o programa pela parabólica pode ouvir o diálogo que o
ministro matinha informalmente com o jornalista Carlos Monforte, um parente
seu. Cuidava-se da eleição de Fernando Henrique, e Ricupero pronunciou a frase
que durante semanas ocupou o noticiário: “O que é bom a gente fatura, o que é
ruim a gente esconde”.
A frase infeliz culminou com a
demissão de Ricupero mas não abalou a candidatura de FHC, que venceu aquela
eleição no primeiro turno. O frasista acidental hoje aparece nas TVs para
engrossar o rol dos palpiteiros profissionais. Ninguém lhe cobra pela
desastrosa sinceridade.
Uma atitude como a do
ex-ministro nem de longe causa espanto quando pensamos nos políticos. Ao fim
dos quatro anos de seus mandatos, todos eles falam das proezas de suas
administrações embora saibam que muitos de seus eleitores conheçam a outra face
da moeda. Mas para os incautos, escondem até viaduto caído.
Agora, quando a imprensa tenta
esconder fatos conhecidos por muitos, ingenuamente ainda nos surpreendemos. É isso o que tem acontecido na Eurocopa.
As TVs que exibem a competição
nada nos contam dos sérios problemas havidos nos países sede. A morte,
confirmada, de um torcedor espanhol nem sequer foi comentada. Muito menos outras
duas, de torcedores poloneses, que as autoridades do país negam. Os atos de
racismo acontecidos nos estádio e nos centros de treinamentos não merecem nem
uma menção. Durante as transmissões dos jogos, aparecem risonhas criancinhas e
felizes torcedores. Um narrador com voz de idiota põe legendas nas cenas
mostradas pela organização do torneio.
Apenas uma briga envolvendo
torcedores russos e polacos foi ao ar, mas os comentários feitos enquanto as
cenas eram exibidas, traziam elogios à atuação da polícia e muitos eufemismos.
O SBT, que não transmite a
copa, mostrou jogadores franceses negros sendo hostilizados por racistas
ucranianos num local que parecia ser um centro de treinamentos. A mesma
emissora também exibiu cenas da briga entre russos e polacos muito mais
extensas que as que vimos nos canais que detêm os direitos de transmissão da
Eurocopa.
Mesmo antes de iniciar-se a
competição, a BBC exibiu uma longa reportagem sobre a violência nos estádios
poloneses e ucranianos dando ênfase ao aspecto racista das manifestações dos
torcedores. Autoridades dos países anfitriões mostraram-se indignados com o que
chamaram de “hipocrisia inglesa”. E não sem razão.
Especialistas no “o que é ruim a
gente esconde”, os súditos de Sua Majestade Elizabeth II, não se acanham em
apontar o dedo para problemas alheios. Quanto ao que sucede dentro de sua ilha,
fazem discreto silêncio. Ou por outra, inventam as mais deslavadas desculpas
que só um membro da imprensa brasileira é capaz de dar crédito. Isso acontece
sempre que num jogo do campeonato inglês há uma invasão de campo e a imagem do
invasor não é mostrada sob o argumento de que é isso que querem os penetras:
aparecerem na TV. Ora, a maioria dessas invasões se dá em conseqüência de
apostas entre amigos. Muitos pelados que surgiram em campos e quadras
esportivas, deram essa explicação após serem detidos. Não passa de brincadeira
mas deixam a nu a fragilidade da segurança. E isso não se mostra.
Quando quebraram a perna de
Eduardo da Silva, o brasileiro que joga na seleção da Croácia e defendia o
Arsenal, a TV inglesa não mostrou a agressão do jogador inglês argumentando que
era uma imagem muito forte, que poderia ferir a sensibilidade de alguém. Se formos
acreditar nisso chegaremos à conclusão que os ingleses são poupados das cenas
da fome na África e dos massacres na Síria. Mas sabemos que pernas quebradas em
gramados da Inglaterra são frutos de um tipo de arbitragem que é orientada para “deixar
o jogo correr” e assim tornar o espetáculo esportivo mais palatável para os que
não manjam muito do jogo da bola. Logo, há que esconder.
Mas enquanto nossa imprensa
presta vassalagem a qualquer estupidez que venha do velho continente, podemos
contar com a mal disfarçada antipatia que os europeus sentem uns pelos outros
para obtermos alguma informação sobre os acontecimentos de lá.
Assim como a BBC foi quem mais
falou das mazelas dos países sede da Eurocopa, foi a TV francesa quem produziu
um ótimo documentário sobre o desastre marítimo recentemente ocorrido na costa
italiana com um navio operado por uma companhia italiana no qual seu comandante
italiano abandonou o barco e deixou que os passageiros se virassem sós.
Em 2014, pode ter certeza, nenhuma
imagem será sonegada. Cada falha na organização da copa ou na segurança.
Qualquer turista assaltado ou criança perdida, terá total cobertura de nossa
imprensa que não poupará esforços para mostrar ao mundo o quanto somos
incompetentes. O jornalismo brasileiro provará que no Brasil só se salva o
jornalismo brasileiro.
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