quinta-feira, 14 de junho de 2012

Minuto de silêncio






Nelson Rodrigues já dizia que no Maracanã se vaia até minuto de silêncio. É verdade. Mas se para o grande escritor isso causava uma certa graça, para os neo-jornalistas de hoje é motivo de sérias críticas. Comparam a atitude das torcidas brasileiras com a dos ingleses e sempre repetem que nos estádios da Inglaterra se escuta uma mosca voando quando se presta a homenagem silenciosa. Também isso é verdade, mas por que se faz a comparação? Para nos deixar mal.
A classe social da qual provêem os neo-jornalistas odeia o Brasil. O Brasil e os brasileiros. Querem que sejamos qualquer coisa, menos brasileiros. E se existe um povo que sintetiza nossa maneira de ser, esse povo é o carioca. Debochado, irreverente, pouco dado às mesuras e convenções pequeno burguesas, o povo carioca dos morros e subúrbios não se deixa engabelar pelas pompas do mundo. Vaia.
No afã de menosprezar o povo, os neo-jornalista não vêem o óbvio. Se na Inglaterra e em outros países a homenagem silenciosa é prestada a figuras queridas e conhecidas, entre nós não se dá o mesmo. Homenageiam-se ilustres desconhecidos.
Os ingleses são cobras em matéria de cerimonial. Séculos de monarquia os tornaram mestres do rapapé. Quando vão prestar uma homenagem póstuma num estádio de futebol, certamente o homenageado terá pertencido às fileiras do clube que ali manda seus jogos, geralmente um ex-jogador, um ex-técnico, um ex-presidente que tenha influído na história da agremiação. Não se fazem homenagens em casa de adversário nem com chapéu alheio.
No Brasil o minuto de silêncio serve para que o homenageado tenha o nome dito na televisão para regozijo de seus enlutados familiares, nada mais. Nem o público no estádio nem os jogadores nem o árbitro, sabem de quem se trata. Se assistimos o jogo pela TV, somos informados por um diligente repórter de campo da razão da homenagem. Pelo geral o alvo do tributo é um ex-conselheiro do clube, um ex-presidente de federação, um jornalista esportivo aposentado. Mas há casos mais intrigantes. Certa vez, depois de muito apurar, a reportagem descobriu que se faria o minuto de silêncio pela morte de um ex-jogador. O detalhe era que o atleta falecido tinha sido jogador do Flamengo nos anos sessenta mas na modalidade de basquete.
Ano passado eu ouvi que a homenageada era a mãe de um conselheiro do clube mandante que falecera na precoce idade de 87 anos. No último fim de semana, não lembro em qual dos jogos que assisti, prestou-se homenagem póstuma a um ex-conselheiro. Claro que enquanto o árbitro e os jogadores fingiam grande recolhimento, a torcida entoava seus cantos e batia seus bumbos.
Para reduzir o tempo de vaias e palavrões, enquanto o ilustre desconhecido é homenageado, o minuto de silêncio nunca ultrapassa os 30 segundos.
Quando é justa a homenagem póstuma, o torcedor brasileiro mostra seu afeto e seu respeito, à nossa maneira. Não sabemos nos fingir de mortos à moda britânica. Carnavalizamos, assim como fazemos nos velórios e gurufins.
Na final do returno do último campeonato carioca, jogaram Vasco e Botafogo. Na véspera havia morrido Dicró. Vascaíno famoso, o cantor recebeu a homenagem póstuma antes do jogo. Toda a torcida do Vasco gritou seu nome. Sem ensaio, sem cerimonial previamente concebido.. Silêncio não se fez. Foi, isso sim, um minuto de sonora identificação de vascaínos com outro vascaíno, do povo com o cantor popular. Lamentavelmente a torcida do Botafogo não se incorporou à homenagem.
Raramente se vê em um estádio brasileiro uma homenagem póstuma sendo prestada a um ex-jogador. Mas não é a torcida que o esquece. São os dirigentes e a imprensa. Mesmo antes da morte são esquecidos pela vaidade daqueles e a futilidade desta. O cúmulo do esquecimento proposital deu-se não faz muito tempo.
O Internacional de Porto Alegre organizou uma festa para comemorar o título do Mundial Interclubes. O convescote aconteceu pouco tempo depois da conquista e para seletos convidados. Sócios, beneméritos, conselheiros (esses estão em todas) e imprensa festiva lá estavam. Também presentes, os jogadores. Menos um: Adriano Gabiru, que já havia sido dispensado pelo clube, não foi convidado. Pra quem não se lembra, foi dele o gol do título.
Dentro de pouco tempo, ouviremos que o minuto de silêncio que será respeitado antes de um jogo no Beira Rio, é uma homenagem póstuma a um dirigente do clube que participou, sabe-se lá como, da conquista histórica.

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