sexta-feira, 12 de julho de 2013

Cabral e Cabral


                Gosto muito do Sérgio Cabral, desde os tempos do Pasquim. Sempre encontrei na sua crítica musical a mesma paixão que sinto pela música brasileira e seus mestres. Com alma de biógrafo, Cabral conta estórias saborosíssimas dos personagens que fizeram da nossa música popular esse eterno encanto de ritmos e palavras. Tem uma do Ari Barroso que só ele sabe contar.
                Um dia, há mais de 20 anos atrás, me identifiquei muito com o que ele disse numa entrevista. Dizia Cabral que os evangélicos pareciam ter algo pessoal contra ele, pois não gostavam de samba nem de carnaval nem de futebol. Eu sinto o mesmo. Cada vez que escuto as perorações dos pastores e bispos de araque contra o carnaval, fico pensando que estão se dirigindo a mim, que é uma provocação.
                Outra vez que escutei Cabral, ele contava um episódio acontecido com Eurico Miranda. O jornalista entrava em São Januário para assistir um jogo do seu Vasco e Eurico, cercado de repórteres, abriu-lhe um sorriso e foi saudá-lo. Cabral virou-lhe o rosto e seguiu seu caminho. Não que seja homem de desfeitear os outros, acontece que Eurico havia dito que seu filho, Sérgio Cabral Filho, teria recebido dinheiro ilícito para sua campanha de deputado. O então presidente do Vasco, também candidato, acusara sem provas no seu estilo desbocado e grosseiro.  No entanto, Eurico, mesmo depois da desfeita, não aceitava outro nome para escrever a história do Vasco que não fosse o de Sérgio Cabral. O jornalista já estava apalavrado para conceber a obra. Cabral contou isso para ressaltar um momento de grandeza no currículo do nefasto dirigente.
                 Já faz tempo que não escuto Sérgio Cabral. Nunca mais o vi na TV. Talvez a idade avançada o tenha mais recluso, envolvido com seus escritos. Ou, quem sabe, o acabrunhe a postura de seu filho à frente do Governo do Estado do Rio. Não seria de se estranhar.
                 Cabral, que teve curta passagem pela política partidária como vereador no Rio, combateu a ditadura e sempre mostrou independência e distância do poder. Vendo sua longa trajetória no jornalismo, pode-se dizer que ele sempre se mostrou digno e probo.
                 Mas e Sérgio Cabral Filho? Bem, desde que Garotinho postou nas redes sociais aquelas fotos e o vídeo do jantar em Paris em que o Governador divide a mesa com Cavendish, ninguém pode negar que sua administração carece de credibilidade. Isso para dizer o mínimo.
                 No entanto, é na truculência de sua polícia que o filho mais se distancia do pai. Se este combateu a ditadura, aquele tenta implantar uma no Rio, onde sequer se pode protestar contra as arbitrariedades e desmandos de seu governo sem que sua polícia atue da forma mais violenta e brutal contra gente desarmada. Mas isso não é novidade para a PM fluminense.
                 Não faz muito tempo que foi mostrada na TV uma operação da polícia de Cabral assassinando dois jovens que fugiam por um matagal próximo a uma favela. Os tiros que mataram os rapazes foram disparados de um helicóptero. No dia seguinte, seu secretário de segurança, Mariano Beltrame, veio a público defender a ação da polícia. A sociedade não protestou, ao contrário, não faltaram palavras e silêncios de concordância.
                  Agora, a classe média, que manteve uma postura de Pilatos quando os mortos e feridos eram moradores dos morros e favelas, protesta contra a atuação truculenta da polícia de Cabral nas manifestações que acontecem no Rio.

                  Agora é tarde.

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