Talvez não haja nada que o ser humano odeie tanto quanto a
liberdade. A liberdade individual, a liberdade do outro, a liberdade coletiva e
a própria liberdade. Quase digo que o ser humano odeia principalmente a própria
liberdade, mas aí estaria subestimando a capacidade que temos de sermos
mesquinhos, vingativos, egoístas.
Você poderá dizer que as lutas pela liberdade sempre
marcaram a história da humanidade. Você tem razão, toda a razão. Mas se houve
luta por liberdade é porque essa liberdade havia sido tolhida antes. Por isso
tanto se lutou e se luta, por pedacinhos de liberdade. Por que não passa disso:
fragmentos pentelhesimais de liberdade.
Nesse tramo da história
que vivemos não é diferente. Veja nosso caso, o caso do Brasil.
Depois de passarmos mais de 20 anos sob ditadura militar,
conquistamos a liberdade. Pelo menos, a liberdade política. E o que fazemos
dela? Desbaratamos.
Para representar a cidadania, são eleitas pessoas que sequer
tentam disfarçar seu vezo autoritário. Pessoas que pugnam por um mandato para
tolher liberdades. Membros da sociedade civil, no mesmo afã, os apoiam.
Mesmo aqueles que se julgam defensores das liberdades,
apoiam qualquer facínora que lhes prometa mais liberdade em detrimento das de
outrem, ainda que essa prometida liberdade nada mais seja que uma liberdade
existente apenas na retórica. Afinal os que defendem os inimigos da liberdade,
só a querem assim: escrita, letra morta para ser usada em discursos em dia de
festa escolar e desde a tribuna dos parlamentos.
É de uso comum a citação que diz: minha liberdade termina
quando começa a do outro. Nada mais falso, nada mais falacioso. A verdade é que
minha liberdade termina quando termina a do outro. Quando qualquer liberdade é
ameaçada, a liberdade de todos corre perigo. Não é o que pensa a grande maioria
das pessoas que deixam seus comentários nas redes sociais, nas TVs, nos
parlamentos. O que temos assistido nos
últimos meses seria inacreditável se não fôssemos testemunhas oculares dos
feitos.
Desde a tribuna da Câmara, um deputado disse ser inaceitável
a decisão do Supremo que obriga os cartórios a transformar as uniões estáveis
de pessoas do mesmo sexo em casamento formal. Nem é preciso dizer que o
deputado é da bancada evangélica. Para esse deputado e tantos outros, deputados
ou não, a liberdade de escolher um parceiro de cama e afeto é algo inaceitável.
Mais inaceitável transformar essa escolha em algo público. Para essa gente a
liberdade de amar deve ser clandestina, praticada envergonhadamente, às
escondidas.
Outro deputado viu aprovado na Câmara, o texto base de seu
projeto que propõe, entre outras barbaridades, a internação compulsória de
qualquer usuário de droga. Nas redes sociais é amplo o apoio ao tal projeto.
Parece que quase ninguém suporta a liberdade de uma pessoa escolher que tipo de
droga quer meter pra dentro, se as legais ou as ainda ilegais.
Mas se tais coisas só acontecessem no Brasil,
poderíamos pensar que fosse resquício do arbítrio que imperou por cá durante
tantos anos, pois autoritarismo é algo que fica no inconsciente coletivo. Não.
Fatos bastante similares ocorrem em outros cantos.
Outro dia, na França, um senhor meteu uma bala na própria
boca por discordar do casamento igualitário que anda sendo discutido por lá. O
suicida, que era historiador, deixou um bilhete para que não restasse dúvida
sobre o que o levou ao ato extremo. Para ele, assim como para nosso provinciano
deputado, trata-se de coisa inaceitável. As manifestações em repúdio à
liberdade de se casar com quem bem se entenda, são multitudinárias em Paris e
em outras cidades. Os franceses não querem saber nada de igualdade e muito
menos de liberdade.
David Cameron enfrenta grandes dificuldades políticas por
causa do mesmo tema. Desde que passou a apoiar o casamento gay, o primeiro
ministro inglês vem sendo alvo das críticas da ala mais conservadora de seu
partido. E seu eleitorado vai migrando para a extrema direita que é mais clara
no seu discurso de podar essa e outras liberdades das minorias.
Nos EE.UU, país que mais usa a palavra liberdade para
justificar tudo, até mesmo o genocídio de outros povos, uma mulher não tem sequer a
liberdade de vender seu corpo. Em apenas 3 dos 50 estados americanos, a
prostituição é livre.
Foi lá também que, na semana passada, foi descoberta a
intromissão dos serviços de espionagem nos dados de conversas telefônicas de
jornalistas. Não foi arapongagem. O ato de desrespeito à liberdade jornalística
foi autorizado pela justiça e em regime de segredo. Para justificar o abuso,
que fere a mais óbvia das liberdades, usou-se a desculpa que sempre é avocada
para tolher a liberdade naquele país: segurança nacional.
Entre os políticos de vários países, nas redes sociais, nas
ruas; todos contra a liberdade.
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