Sou mineiro, mas carioca de alma e como tal detesto dias
nublados como canta a gaúcha Calcanhoto. Mais ainda os dias chuvosos ou
garoentos metidos a paulista. No Rio, um dia assim, que nos afasta da rua, da
praia, que deixa os botequins vazios e a paquera inviável, é um dia perdido
para todos os sentidos.
No entanto, tenho boas recordações de dias feiúscos e
carrancudos que passei na Maravilhosa.
Num deles eu estava em casa, sábado. Vivia num apartamento que dividia com três amigas, Beth, Lídia e Ângela num cantinho entre o Catumbi e Santa Teresa. Paloma, a filha de Ângela viera passar o fim de semana com a mãe. Éramos os três em casa.
Num deles eu estava em casa, sábado. Vivia num apartamento que dividia com três amigas, Beth, Lídia e Ângela num cantinho entre o Catumbi e Santa Teresa. Paloma, a filha de Ângela viera passar o fim de semana com a mãe. Éramos os três em casa.
Ângela, deixe que eu faça um perfil de minha amiga, é um
tipo de mulher que só os anos setenta produziu; feminista, no melhor sentido do
termo, liberada nos costumes e nas atitudes, Ângela não se furtava, e creio que
agora menos ainda, a ir pra cozinha. E é uma fera nos quitutes e acepipes.
Dê-lhe duas batatas, um tomate e um copo de vinho que ela prepara um manjar. (E
olha que o vinho ela não usa na receita). Idealista é, sem embargo, prática. É
também alegre e gentil, mas eu não relutaria em entregar-lhe um
comando de operações especiais atrás das linhas inimigas. A mulher é resoluta e
firme.
Bem, nesse dia de que falo, estávamos aí e tínhamos de
entreter Paloma, que era pequena. Um passeio era impossível, chovia. Ângela
então fez uma festa de aniversário para a boneca de Paloma. Inventou na hora. E
foi festa mesmo. Com comidinhas assadas, bolo, docinhos e o escambau.
Debaixo da pia da cozinha dormiam umas garrafas de cachaça
que haviam sobrado de uma festa que tinha rolado na semana anterior. Começamos
a debicar as Praianinhas e Pitus enquanto Ângela cozinhava e assava. No
toca-discos rolava umas bolachas do melhor daquela época. Lembro-me claramente
de um disco do João Bosco que eu ouvi até quase furar enquanto vivi naquele
apartamento. Ainda hoje quando escuto aquelas composições de João Bosco e Aldir
Blanc, me vem a mais gostosa das saudades.
Aquela tarde fria e tão pouco carioca foi caindo. Paloma num
contentamento de criança acarinhada, Angela e eu na felicidade da amizade e dos
vinte e poucos anos. A cachaça barata ia descendo purinha aos goles largos.
Matamos três garrafas. O que nos deixou mais ou menos sóbrios foi a presença de
Paloma que exigia cuidados e atenção.
A noite chegou sem muita mudança de luz, tão nublada fora a
tarde. Paloma já dormindo e mais um brinde ouvindo Mercedes Sosa, “me gustan
los estudiantes”...
Ah! Angela, que saudade de você, que saudade de mim.
Maravilhosa a cronica, PARABÉNS
ResponderExcluirEu lembro da Angela, do apartamento, de voce e de de mim...
ResponderExcluirPois e, que saudades, de todos nos, daquele tempo.
Mas e agua embaixo da ponte, ja foi, passou. Por sorte, esta voce, pra descrever com tanta arte, o passado.
Por favor, acrescenten os agudos nos " e " e leia de novo.
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