sábado, 4 de agosto de 2012

De meninos e livros







Eu tinha 13 anos quando fui fisgado pelos livros. Como isso aconteceu no meio das férias eu não contava com a biblioteca da escola. No meu bairro não havia uma e, pensando bem, creio que não vi nenhuma naquele Belo Horizonte dos anos 70.
Por aqueles dias, lembro de ter lido um romance cuja ação era passada no Alasca ou em outro lugar frio pra burro. Já não lembro o título mas fiquei com uma lembrança toda branca de umas poucas cenas do romance. Não é o tipo de literatura que alguém cite como fonte de formação, mas eu gostei.
Naquelas férias escolares também li Clarissa, do grande Érico Veríssimo, e até hoje, quando penso no livro, vem-me uma sensação azul e cheiro de violetas.
De outros livros daquela época pouco lembro. Lembro sim de uma vez em que estava lendo nas escadas do prédio onde morava e uma vizinha veio dar-me uma caixa de maçãs cheia de livros. Não era, nem de longe, o que se poderia chamar de uma biblioteca infanto-juvenil. A maioria dos volumes era daqueles livrinhos de bolso de espionagem, caubóis e aventuras. Havia coleções famosas desses gêneros. Entre os que não eram desse formato, estava um de Morris West que mesmo eu, leitor iniciante, achei muito ruim, mas como seguia a receita dos “best-seller”, tinha algo de sexo, e li até o fim a insulsa trama.
Outro volume da caixa de maçãs era de autoria de Ibrahim Sued e versava sobre boas maneiras. Quem me conhece deve estar pensando que pouco proveito tirei da “obra” do Ibrahim. É verdade. Minhas maneiras podem ser chamadas de tudo, menos de  boas. No entanto esse livro me ensinou que devemos usar o termo “mulher” quando da nossa se trata e “esposa” para as dos outros. Até hoje, quando escuto alguém falando “minha esposa”, lembro do livro e tenho vontade de rir. Me parece tão falso, tão postiço que tendo a qualificar logo o sujeito como mal amado e pedante. O pior é quando dizem “minha senhora”, aí, minha vontade não é de rir, mas de  esganar o camarada.
Mas no meio desse monturo havia um pequeno tesouro: “As aventuras de Tibicuera” de Érico Veríssimo. Este sim, um livro para meninos de 13 anos. Ou, pelo menos, meninos de 13 anos daquela época. Hoje teríamos de rebaixar a idade dos possíveis leitores da obra de Veríssimo em 3 ou 4 anos pois daquele tempo para cá foi criada a categoria de pré-adolescente e os meninos de 11, 12 anos estão obrigados a dar outras respostas ao meio social e, na intimidade, refugiarem-se nos jogos “on line” deixando espessa baba nos teclados dos computadores.
Mas voltando aos meus 13 anos, ou pouco mais. 
Numa noite fria belorizontina descobri Jorge Amado e sua Teresa Batista cansada de guerra. Foi um deslumbramento. A obra de Jorge, (me permito a intimidade com esse brasileiro tão amado) principalmente na fase iniciada por Gabriela, não seria aconselhada para meninos, na concepção que se tinha naqueles tempos, eu discordo. A sensualidade de Gabrielas e Teresas são um estímulo para a sexualidade sem tabus, sem mentirinhas ou frescuras, e a mocidade precisa tanto de sexo quanto de livros.
Sei que a literatura produzida hoje para os pré-adolescentes é de outra índole. Procuram concorrer com os tais joguinhos eletrônicos e muitas vezes apenas acompanham a tendência da sociedade de jogar logo os meninos no mundo chato e competitivo. Tem até literatura “gospel” para essa faixa etária. Doutrinária e careta.
Imagino que deve haver bons escritores produzindo literatura infanto-juvenil, mas a sociedade não anda produzindo bons leitores. São muitos canais de TV, muitos joguinhos, muita internet e face book. E os smartphones que fazem todo o serviço do capeta e cabem no bolso.
No entanto, o mercado editorial anda de vento em popa. Talvez sejam as compras governamentais, talvez uma reação de certa parte da sociedade que já vislumbrou um futuro sinistro sem livros nem conhecimento. Um mundo só de informação mal assimilada, mal digerida, sem elo com o passado, imediatista.
Mas se as massivas compras de livros pelo governo federal mantêm forte e pujante nosso mercado editorial, os preços dos livros não baixam, as bibliotecas não se multiplicam e quando delas se fala é para inserir nas conversas e debates os computadores e toda espécie de digitalização. Pensa-se hoje, numa biblioteca cheia de máquinas conectadas à grande rede. A isso chamam de modernidade, de inserção digital. Mas tem pior.
Depois de dormir “ciência e tecnologia”, Mercadante acordou “educação”. Numa de suas primeiras falas, o Ministro fez  apologia dos “tablets” (há que se escrever assim, em inglês, pois quem traduz o termo para tablete é ridicularizado). Falou na economia que seria feita trocando-se o livro didático de papel pelos “tablets” e mais uma porção de coisas que a noite de sono lhe metera na cabeça.
Não posso aferir se haveria ou não economia do dinheiro público nessa troca do papel pelo digital, mas fica claro que as editoras engordadas com os lucros advindos das compras governamentais, podem se dar ao luxo de lançar boa literatura tanto para os meninos quanto para os adultos. No caso dos “tablets” tenho lá minhas dúvidas se o ganho aferido pela aquisição massiva reverteria para maior número de obras literárias disponíveis nesse formato ou iria se diluir em mais tecnologia inútil e descartável.
O mundo digital torna obsoleto o que ele mesmo produz, em pouquíssimo tempo. Creio que um “tablet” lançado esse ano perderá sua utilidade em menos de 3 anos. Além do mais, qualquer pessoa que tenha em casa um aparelho digital, seja um computador ou um celular, sabe que o troço pifa. Já fico imaginando um “tablet” dentro de uma mochila escolar que está servindo de baliza para a pelada depois da aula. Se é que os meninos ainda jogam peladas depois da aula.





Nenhum comentário:

Postar um comentário