Semana passada, fiz aniversário
e mesmo avesso aos estrangeirismos, confesso que preferiria usar a forma
castelhana de comunicar isso:_La semana pasada, cumpli años. A palavra
aniversário me trás à mente balões, chapeuzinhos pontudos, bolo e aqueles “eh”
que costumam acompanhar a horrível musiquinha cantada por desafinado coro diante de um
constrangido aniversariante.
Talvez eu devesse consultar um
dicionário etimológico para desencanar do termo “aniversário”. Não vou fazê-lo.
Fiz 55 anos e pretendo ficar com meus conceitos obsoletos, não tenho a menor
vontade de reinventar-me, de desdizer-me, de desculpar-me com a vida.
Dias atrás, Caetano Veloso
completou 70 anos mas disse ter, na verdade, 15, talvez 14 anos e que o resto
eram sinais exteriores que nada lhe diziam respeito. Infelizmente não posso
dizer o mesmo.
Se não chego à definição de
Nelson Rodrigues, que dizia que já nascera velho, com guarda-chuvas e galochas,
eu tive sempre uma ansiedade da vida adulta quando era adolescente, e na
juventude já vislumbrava a velhice. Claro que entre os horrores que eu via na
terrível idade, eu não incluía os martírios das doenças nem a infâmia do
serviço público de saúde. Apenas achava que a vida dos velhos era uma merda Eu
estava certo.
Antes não. Na adolescência eu
via os adultos como que dotados de conhecimentos e outras coisas que havia de
lutar para conseguir. Ao alcançar a idade da razão o único sentimento que
restou do mundo adulto foi uma enorme decepção. Você acha que exagero? Pois
veja outro aniversariante do mês, Fernando Collor de Merda.
Esse ser das Alagoas é um pouco
mais velho que eu. Já foi presidente do Brasil, democraticamente eleito. Parece
que ninguém reparou que o sujeito era, e continua sendo, um dos maiores
canastrões da história desse país. Collor interpreta mal o que para ele é o
ideal de adulto: voz impostada, gravata importada. Nada mais. Um vazio imenso
de idéias. Um mamolengo, uma farsa. E sequer posso dizer que ele é
infantilizado pois a infância não comporta as imposturas que esse homúnculo
perpetra. Collor é uma espécie de Peter Pan às avessas. Sem sair da
adolescência problemática, se crê homem, se vê adulto. Sua burrice, ignorância e
falta de cultura, são tão patentes que só mesmo um completo imbecil não se dá
conta. Ele, por exemplo. O sujeito vive
num limbo, num nada. Ele é o Ken da Barbie mas acha que é o Buzz Lightyear. .
Mas a vida adulta e a velhice
também são moradia de tipos mais estranhos ainda.Veja o caso do Gal. Geisel que
faria nesse mês de agosto 105 anos se a natureza permitisse tal desatino.
Numa das poucas entrevistas
concedidas em seus 6 anos de mandato, o velho general admitiu o uso da tortura
e viu justas razões para isso. Talvez os muitos anos de caserna, com seus
rituais ridículos e hierarquia idem, tenham feito danos nunca reparados no cérebro
do general calvinista. Até mesmo o infame Médici negava a tortura nos cárceres
políticos brasileiros. Era a maldade envergonhada, ciente de sua aberração.
Geisel não só admitia, como preconizava o ato abjeto.
O homem que não via a dor dos
corpos jovens destroçados pela tortura, hoje é encarado pelos revisionistas
apenas como alguém que deu origem à abertura política. Deveríamos cantar loas
ao velho que tirou o bode da sala segundo esses preclaros historiadores de
gabinete.Geisel seria quase um redentor que nos libertou da ditadura. Não,
Geisel não foi isso. Geisel foi a maldade de velho em pessoa. Ele achava
certo torturar meninos em nome da luta anticomunista, da família, dos valores
cristãos. Sei lá em nome de que idiotice arcaica.
Geisel não envelheceu. Um dia
despertou de seu sono aquartelado e viu-se enrugado com uma faixa presidencial
no peito. Surpreendido pela passagem dos anos que não vivera, resolveu brincar
de guerra e fazer valer todas as medalhas que carregava por nada. Na falta de
inimigo externo resolveu convalidar a tortura de militantes de esquerda.
Entre os nascidos em agosto
também há os que viveram cada dia de uma longa existência para deixar um
testemunho de beleza e conhecimento dos homens.
Jorge Amado, que nasceu num 10
de agosto e morreu no dia 6 desse mês, foi o escritor mais popular e querido do
país. Foi, acima de tudo, sincero. Sincero no seu amor pelo povo simples da
Bahia, sincero quando soube dos crimes do stalinismo. Sincero quando escreveu
“Os subterrâneos da liberdade”, sincero quando renegou o livro.
Jorge é sub-apreciado pela
crítica nacional tão envergonhada de ser nacional. Os amantes de Proust e Joyce
jamais entenderam do que trata Jorge em sua obra. Perdem-se em análises formais
e não dão ao escritor bahiano os créditos que ele merece por ter sido o escriba
da gente pobre da Bahia, tradutor de suas lutas e grandezas, revelador de sua
religião e sensualidade. Jorge não passou pela vida, viveu-a e contou-a.
Contou-a como poucos o fizeram.
Mas há quem, em breves anos,
conseguiu atravessar as etapas da vida sem querer ser a eterna adolescente como
Caetano nem atingir a velhice da alma como Geisel.
Clara Nunes estaria completando
70 anos nesse 12 de agosto caso a morte não viesse alcança-la aos 40 anos.
Clara, a mineira guerreira, viveu a vida com seus dissabores e alegrias.
Sofreu, lutou, venceu e morreu com a galhardia dos grandes. É impossível pensar
em Clara sem lembrar o codinome que seu marido Paulo César Pinheiro e João
Nogueira eternizaram em um lindo samba.
Clara foi uma dessas pessoas de
verdade que cantou samba verdadeiro para aqueles que vivem vidas verdadeiras. Eparrei Oyá.
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