sábado, 11 de agosto de 2012

Eu sou favela







Noca da Portela, em um samba intitulado “Eu sou favela” que teve gravação do saudoso Bezerra da Silva, diz no estribilho:_“a favela é um problema social”. Eu adoro o samba mas peço venia ao bamba da azul e branco de Madureira para discordar.
Não acho que a favela seja problema de nenhuma espécie. Ao contrário, vejo na favela uma solução. Uma solução de moradia urdida pelo povo. Solução que o poder público sempre negou aos mais pobres.
Desde a volta dos soldados que foram combater o Conselheiro em Canudos, esses aglomerados urbanos tornaram-se a solução dos desvalidos. Aqueles pobres que foram dizimar outros pobres em nome da república e dos que sempre odiaram ver o povo tomando as rédeas de seu destino, ao chegarem ao Rio foram para o ministério da guerra receber o soldo prometido e se viram diante do descaso das altas patentes. Sem ter recebido o que lhes era devido e sem ter para onde ir, ficaram sobrevivendo nos morros próximos ao ministério e dadas às péssimas condições de vida que tinham, chamaram aquele tipo de comunidade de “favela” em referência à planta espinhosa que tem esse nome e é tão abundante no sertão.
Quando Pereira Passos resolveu melhorar o aspecto da Capital Federal, dotando a cidade de largas e belas avenidas, jamais lhe passou pela cabeça conseguir de ante-mão moradia para os que habitavam as cabeças de porco, cortiços e as casas de cômodos que existiam no centro da cidade. Desalojou toda a população sem se importar que rumo tomaria aquela gente. Foi nos morros que a população desalojada foi morar criando novas favelas. É como diz Bezerra em outro samba antológico intitilado “Aqueles morros”: _”Antes aqueles morros não tinham nome, foi pra lá o elemento homem, fazendo barraco, batuque e festinha. Nasceu Mangueira, Salgueiro, São Carlos e Cachoeirinha...”
Com a migração que cresceu nos anos 50 e 60 devido à seca no nordeste e a outros fatores, mais e mais favelas foram sendo erguidas sob o olhar desdenhoso do poder público que nada fez para melhorar a condição de moradia de quem já havia feito a metade do serviço com o próprio suor.
Hoje, para quem vai à Rocinha, à Mangueira ou ao Morro dos Prazeres, fica difícil acreditar que tudo o que ali está seja fruto do espírito criativo dos próprios moradores. O pouco que o poder público ali investiu foi sobre uma realidade criada pelo engenho popular.
Aliás, o único órgão do poder público que chega às favelas é a polícia, e não para garantir a paz dos que lá moram, senão para implantar o terror. Logo nas primeiras operações que a polícia carioca fez para desalojar supostos traficantes e implantar as tais UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora), esse terror se fez presente, a polícia tinha autorização para entrar em qualquer residência e revista-la num flagrante desrespeito aos direitos do cidadão que estão garantidos na constituição e nos códices infra-constitucionais. De costas para a janela e olho grudado na televisão dos Marinho, a classe média carioca aplaudia a repressão.
Essa mesma classe média fazia chacota em 1983 quando Brizola falou em construir um plano inclinado no Morro Santa Marta. Hoje, o teleférico da Penha só não é motivo de escárnio por estar longe dos olhares da zona sul e por ser um modelo importado da Colômbia.
Mesmo com as polícias pacificadoras cometendo seus crimes e sendo aplaudidas até mesmo pela Presidenta Dilma que vê na instauração dessas forças repressivas um exemplo a ser seguido por todo o país, a favela resiste com seu modo de vida, seus costumes, sua independência criadora.
Pra terminar eu vou citar dois casos que dão o tom da ação do poder público com relação às favelas.
Antes da tragédia que vitimou os moradores do Morro do Bumba em Niterói, a associação de moradores já havia mandado fazer estudos de engenharia e apresentado projeto à prefeitura pedindo a construção de um muro de arrimo para prevenir deslizamentos. Nada foi feito. O custo da obra solicitada era inferior ao de um das dezenas de pilotis que servem de suporte para um elevado destinado a melhorar as condições viárias das áreas ricas de Niterói.
Outro caso exemplar aconteceu antes dos Jogos Panamericanos do Rio.
Agentes da prefeitura andaram por favelas próximas à Barra da Tijuca pintando nas paredes externas das residências estranhos símbolos que pareciam significar quais residências estavam em local de risco ou algo parecido. Uma espécie de aval de remoção.
Um morador, que vi na televisão, sintetizou o caso: _Nosso problema não é estar em zona de risco, é estar em zona de ricos.

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