domingo, 19 de agosto de 2012

Tragédia anunciada







Garoto, muitas vezes deixei de ir ao estádio por falta de grana pro ingresso. Aos 15, 16 anos eu convivia com amigos de classe média que iam ao campo de carro com seus pais. Carona até que rolava, grana não. Mas havia dias que a rapaziada resolvia ir ao Mineirão sem um mango no bolso. Pegávamos carona na AV. do Contorno com outros torcedores e nas bilheterias do estádio pedíamos a quem estava na fila pra comprar ingressos, umas moedinhas para inteirar a entrada da geral. Se havia tempo, aproveitávamos para arranjar o do cachorro quente e o da coca cola. Não sentíamos que estivéssemos mendigando, apenas sendo espertos.
Estávamos nos bons tempos de estádio cheio todo fim de semana, não importava o jogo, e a geral era baratinha. No espaço democrático, íamos todos juntos, atleticanos e cruzeirenses. Atleticanos, éramos o Xandico, o Ramé, o Dimas, o Marcos e eu. Cruzeirenses, o Aníbal e o Maurinho.
Mas havia umas regras para a entrada no Mineirão. Crianças menores de 7 anos não podiam entrar de maneira alguma e os que contavam entre 7 e 12 anos, só acompanhadas por adultos. Lembro de uma vez que tentamos dar uma força pra uns moleques pequenos entrarem conosco. Não deu. Não éramos adultos.
Na época eu pensava que era uma regra rigorosa demais. Punha culpa no autoritarismo da ditadura. Hoje eu sei que essas regras estavam certíssimas, mas parece que só eu penso assim.
A cada domingo, antes e durante a transmissão dos jogos pela TV, são mostradas muitas crianças e até bebês de colo nas arquibancadas dos estádios. As câmeras as procuram e, pondo legendas nas imagens, nossos locutores esportivos aproveitam para balbuciar frases que vão da pieguice à imbecilidade. Fala-se do futuro torcedor, da presença da família nos estádios e ai que lindo. Não é possível que essa gente não tenha a menor noção das coisas. Parece que dão folga ao cérebro nos fins de semana. 
Lembro-me bem que quando meu filho estava por nascer, minha mulher e eu líamos tudo que nos caía nas mãos sobre gravidez, bebês, crianças e etc. Creio ter visto o mesmo entre outros pais de primeira viagem e uma das coisas que gravei foi sobre a audição dos bebês. Pelo que me lembro, eles têm uma audição perfeita. Ao contrário do que ocorre com a visão, por exemplo, a criança já nasce com seu sistema auditivo funcionando perfeitamente. Eles escutam melhor que os adultos.
Num estádio de futebol com foguetórios, charangas e cantos da torcida, o bebê absorve o som que mesmo para nós adultos seria insuportável não fosse por nossa paixão pelo time de coração. Mas ao contrário de nós, os bebês não têm paixão por time nenhum e sofrem gratuitamente.
Mesmo para uma criança que já deixou o colo e a teta, que tenha 1, 2 ou 3 anos, que graça tem estar num lugar quente, ruidoso e sem brinquedos?  Acho que nenhuma. Elas só estão lá pela estupidez dos pais que as fantasiam com a camisa do time para que os idiotas da narração esportiva digam que lá está a pequena vascaína ou o pequeno cruzeirense. Esses pais, que deveriam ser admoestados pelo órgão de defesa das crianças e adolescentes, não pensam que uma simples correria nas arquibancadas poderia por em risco a vida de seus filhos, que um sinalizador é tóxico, que há entre os torcedores os irascíveis e os brutais.
Que existem pais totalmente irresponsáveis, todos sabemos. Mas em uma emissora de televisão há muitos chefes, diretores, superintendentes, editores e o escambau. Será que nenhum engravatado desses tem a menor responsabilidade? O menor discernimento? Ou seus poucos neurônios só conseguem entrar em atividade quando se trata de índices de audiência e faturamento comercial? Parece que é isso. Caso contrário haveria, ao menos, alguma orientação para que as imagens com torcedores levando seus bebês não fossem mostradas para se evitar a repetição, a imitação. O que ocorre é justamente o contrário. Deve haver uma ordem superior para que operadores de câmeras e diretores de imagem façam da estupidez paterna uma forma de atrativo.
Caberia então aos órgãos governamentais estabelecer algum critério para o ingresso de crianças nos estádios. Como está, me parece que é a crônica da tragédia anunciada.


Nenhum comentário:

Postar um comentário