O velho senador, além do cargo eletivo, desempenhou outras
relevantes funções na república. Creio que foi por ocasião de sua morte, que a
TV Senado exibiu um depoimento seu, contando sua trajetória.
Começou falando de suas origens. Contou que seu pai era
imigrante e que com os irmãos havia entrado para o comércio, no ramo de
armarinho. Os negócios iam bem e a família prosperava, mas veio a guerra e o
pai do velho Senador perdeu uma soma importante num negócio de importação de
produtos alemães que haviam sido pagos por adiantado. O pai do velho Senador
tornou-se então representante comercial de um negociante alemão da região de
Blumenau.
Como estávamos em guerra, o governo brasileiro promulgou
leis que punham empecilhos aos negócios de cidadãos dos países do Eixo
residentes aqui. O negociante de Blumenau, para desvencilhar-se desses
empecilhos, pôs seus negócios em nome do pai do velho Senador. Ao fim da narrativa, conta-nos o velho Senador
que, passada a guerra, seu pai, homem honestíssimo, devolveu tudo ao
comerciante de Blumenau. A história pretende, ao referir-se a probidade do pai,
afiançar o berço honesto do velho Senador.
_Mas como assim? Você certamente dirá. Afinal isso nada tem
de edificante ou exemplar. O que nos conta o velho Senador, é a história de um
estrangeiro que ajuda outro estrangeiro, cuja nação se encontrava em guerra com
a nossa, a ludibriar as leis do país que os acolheu. Para cúmulo, leis
excepcionais, excepcionalíssimas. Leis de guerra. Em certos países mais
belicosos e menos lenientes que o Brasil, isso seria visto como traição.
É o tipo de história que as famílias, com um mínimo senso de
honradez, escondem em baús e apenas velhas tias as cochicham quando não há
crianças por perto. Ainda assim, passam de geração em geração como que para
purgar aquela vilania, aquela infâmia.
_Então como que o
velho Senador conta tal episódio diante das câmaras da TV Senado e por cima gabando-se da duvidosa
honestidade paterna? você arguirá.
Acontece que o velho Senador era uma besta. Se lhe via no rosto
parvo, no olhar bovino. Seus pronunciamentos corroboravam. Seu sentido de
ética, de honestidade, estava muito aquém do entendimento médio. Incrivelmente,
o velho Senador não via na ação do pai um ato criminoso. Pelo contrário, entendia-a honesta, honrada.
Assim como o velho Senador, parte de nossa sociedade,
patrimonialista e acumuladora, crê que a desonestidade praticada contra o
estado é algo menor. Ou mesmo algo para vangloriar-se. O empresário que elide o
fisco, a classe média que põe falsos dependentes na declaração do imposto de
renda, o profissional liberal que nunca emitiu uma nota fiscal, o remediado que
consegue uma aposentadoria através de algum conhecimento com a burocracia
corrupta, enfim, todo aquele que ludibria o estado se vê como um Robin Hood do
benefício próprio, um rebelde, um herói.
Tal qual seus congêneres anônimos, o velho Senador gozava da
mais alta estima social. Tanto é assim, que mesmo depois de ter sido padrinho
de casamento da filha de um doleiro preso e autuado, de freqüentar o restaurante
que servia de fachada para venda ilegal de moeda estrangeira e outras façanhas,
continuava presidindo comissões do Senado e foi seu corregedor. Antes de morrer
ainda teve tempo de dar depoimento para a posteridade e exaltar as proezas
paternas.
Você, minha amiga, envolvida em tantos afazeres,
provavelmente não assistiu o singelo depoimento do velho Senador na TV Senado,
há pouco mais de dois anos, e agora lhe morde a curiosidade. Você quer o nome.
Não posso menos que satisfazer-lhe o desejo. O velho Senador se chamava Romeu
Tuma e entre as relevantes funções que exerceu na Sereníssima República, estão
a de Diretor Geral da Polícia federal e a de Secretário da Receita Federal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário