quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A ética do velho Senador



                O velho senador, além do cargo eletivo, desempenhou outras relevantes funções na república. Creio que foi por ocasião de sua morte, que a TV Senado exibiu um depoimento seu, contando sua trajetória.
                Começou falando de suas origens. Contou que seu pai era imigrante e que com os irmãos havia entrado para o comércio, no ramo de armarinho. Os negócios iam bem e a família prosperava, mas veio a guerra e o pai do velho Senador perdeu uma soma importante num negócio de importação de produtos alemães que haviam sido pagos por adiantado. O pai do velho Senador tornou-se então representante comercial de um negociante alemão da região de Blumenau.
                Como estávamos em guerra, o governo brasileiro promulgou leis que punham empecilhos aos negócios de cidadãos dos países do Eixo residentes aqui. O negociante de Blumenau, para desvencilhar-se desses empecilhos, pôs seus negócios em nome do pai do velho Senador.  Ao fim da narrativa, conta-nos o velho Senador que, passada a guerra, seu pai, homem honestíssimo, devolveu tudo ao comerciante de Blumenau. A história pretende, ao referir-se a probidade do pai, afiançar o berço honesto do velho Senador.
                _Mas como assim? Você certamente dirá. Afinal isso nada tem de edificante ou exemplar. O que nos conta o velho Senador, é a história de um estrangeiro que ajuda outro estrangeiro, cuja nação se encontrava em guerra com a nossa, a ludibriar as leis do país que os acolheu. Para cúmulo, leis excepcionais, excepcionalíssimas. Leis de guerra. Em certos países mais belicosos e menos lenientes que o Brasil, isso seria visto como traição.
                É o tipo de história que as famílias, com um mínimo senso de honradez, escondem em baús e apenas velhas tias as cochicham quando não há crianças por perto. Ainda assim, passam de geração em geração como que para purgar aquela vilania, aquela infâmia.
               _Então como  que o velho Senador conta tal episódio diante das câmaras da TV  Senado e por cima gabando-se da duvidosa honestidade paterna? você arguirá.
               Acontece que o velho Senador era uma besta. Se lhe via no rosto parvo, no olhar bovino. Seus pronunciamentos corroboravam. Seu sentido de ética, de honestidade, estava muito aquém do entendimento médio. Incrivelmente, o velho Senador não via na ação do pai um ato criminoso. Pelo contrário, entendia-a honesta, honrada. 
               Assim como o velho Senador, parte de nossa sociedade, patrimonialista e acumuladora, crê que a desonestidade praticada contra o estado é algo menor. Ou mesmo algo para vangloriar-se. O empresário que elide o fisco, a classe média que põe falsos dependentes na declaração do imposto de renda, o profissional liberal que nunca emitiu uma nota fiscal, o remediado que consegue uma aposentadoria através de algum conhecimento com a burocracia corrupta, enfim, todo aquele que ludibria o estado se vê como um Robin Hood do benefício próprio, um rebelde, um herói.
               Tal qual seus congêneres anônimos, o velho Senador gozava da mais alta estima social. Tanto é assim, que mesmo depois de ter sido padrinho de casamento da filha de um doleiro preso e autuado, de freqüentar o restaurante que servia de fachada para venda ilegal de moeda estrangeira e outras façanhas, continuava presidindo comissões do Senado e foi seu corregedor. Antes de morrer ainda teve tempo de dar depoimento para a posteridade e exaltar as proezas paternas.
               Você, minha amiga, envolvida em tantos afazeres, provavelmente não assistiu o singelo depoimento do velho Senador na TV Senado, há pouco mais de dois anos, e agora lhe morde a curiosidade. Você quer o nome. Não posso menos que satisfazer-lhe o desejo. O velho Senador se chamava Romeu Tuma e entre as relevantes funções que exerceu na Sereníssima República, estão a de Diretor Geral da Polícia federal e a de Secretário da Receita Federal.






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