Minha Tia Lourdinha levou-me junto numa visita que fazia a
uma família que fora nossa vizinha. Não me lembro deles como vizinhos. Creio
que haviam se mudado para outro bairro antes de eu ter conhecimento das coisas,
mas o nome do pai dessa família eu não esqueci até hoje. Ele se chamava
Dorinato e um de seus muitos filhos levava também esse nome.
Não havia motivo para que eu fosse; em casa estava minha Avó
Benita para cuidar-nos. Talvez, na época, não fosse muito apropriado para uma
mulher andar só por Belo Horizonte, daí a necessidade de companhia, mesmo que
fosse de uma criança. Ou, quem sabe, menino de bairro, eu tivesse pedido para
acompanhar minha tia. Nessas saídas para o centro ou para outros lugares, havia
sempre a possibilidade de um sorvete nas Lojas Americanas. Ademais tinha a
viagem de lotação, o movimento de ruas e avenidas. Era um passeio.
A visita era pelo mais terrível dos motivos: aquela gente
havia perdido um filho. Era, pois, uma visita de pêsames. Ainda me lembro de
estarmos no quarto onde, de certo, dormiam as crianças. Lembro dos beliches, a
casa escura naquela hora de crepúsculo, os rostos transidos de tristeza e junto
a uma das camas, reluzindo o metal cromado que fazia realçar o couro gasto,
estava o aparelho ortopédico que aquele menino morto usara devido à atrofia das
pernas provocada pela poliomielite. Não sei se foi a pólio que o matou. Creio
que não. A doença já fizera seu estrago tomando-lhe parte da infância, as
correrias, a bola.
Não lembro se houve sorvete nas Lojas Americanas depois da
visita. Só guardo daquele dia uma sensação escura e triste.
Anos mais tarde, eu convivi com outra vítima da pólio. O
Marcus, meu amigo de peladas e vagabundagem, também contraíra o vírus quando
criança, mas as seqüelas deixadas não o impediam de jogar bola e quase não se
notava a atrofia de uma de suas pernas quando andava, apenas quando corria. A
mesma “sorte” não teve uma prima de minha mulher. Sara, quando a conheci, usava
o medonho aparelho e muletas.
A pólio mutilou e matou milhões de pessoas pelo mundo até
ser criada a vacina. Sabin e Salk derrotaram a poliomielite. A doença,
erradicada no Brasil, um dia será apenas uma triste lembrança em todo o mundo.
Dificilmente meu neto verá uma de suas vítimas.
Isso, é claro, se não prevalecer a opinião dos veganos. Sim,
porque além de defender o direito dos animais não comendo ou vestindo qualquer
coisa que tenha essa origem, os veganos também são contra o uso de vacinas e
soros que sejam testadas ou produzidas usando-se animais. Como alternativa,
sugerem testes in vitro, cultura de tecidos e modelos computacionais. Esses
seres superiores devem crer que todo pesquisador é um sádico que usa animais
pelo prazer de vê-los sofrer. Fosse pelo gosto e sapiência desses iluminados,
não teríamos vacinas, nem soro antiofídico, nem insulina.
Mas o padecimento dos seres humanos parece não comover muito
os veganos. Para eles, o confinamento e morte das galinhas é o tema a ser
enfrentado. A extração do mel, o crime a
ser combatido. Pensa que exagero? De nenhuma maneira. Os veganos vêem a utilização,
pelo homem, de animais para alimentação e vestuário, que eles chamam de especismo,
algo tão grave como o racismo ou o sexismo.
Como não se importam com as condições humanas, os veganos
não sabem que milhares de anos antes de desenvolver a agricultura, o homem já
era um caçador. Também ignoram que onde vive o povo inuit não nasce nem capim e
que esse povo só sobreviveu por que come e se protege do frio graças às suas caçadas
de animais. Que o índio sulamericano faz o mesmo, caça e pesca. Falo só de povos tradicionais, que não estão, nem de longe, ligados à interesses capitalistas menores.
Os veganos falam das vantagens do vegetarianismo para a
saúde, mas esquecem de mostrar como praticar medicina preventiva séria. Nenhum
tipo de alimentação vai prevenir o sarampo ou a pólio, a malária ou o
impaludismo. Nenhum vegano comanda um centro de pesquisas
médicas para por em prática sua tese de que é possível desenvolver experimentos
com base exclusivamente em cultura de tecidos ou modelos computacionais. Os
veganos preferem publicar listas de adeptos famosos. Todos eles, do mundo do
rock ou de Holywood.
Por sorte, são poucos os praticantes desse tipo de atraso
mental e sempre existirá gente como Sabin e Salk, Best, Macleod, Banting e
Collip. Sempre haverá gente preocupada com gente.
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