segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Pixote



                Eu estava desempregado há muito tempo, o que faltava de grana sobrava de ócio para leituras nas bibliotecas, para a praia, o botequim e a paquera, mas meu único par de tênis estava imprestável. Tive de recorrer ao velho. Como ele também andava duro, me deu um par de sapatos seus que lhe iam apertados. Os sapatos eram bem bonitos e quase novos, mas como eu calçava o mesmo número do velho, também me apertavam os pés por todos os lados. 
                Foi com esses sapatos que caminhei de Botafogo até Ipanema para assistir um pequeno festival de cinema alemão no auditório da Faculdade Cândido Mendes. Seis filmes em dois dias, e de graça, como me convinha.
                Lembro-me de dois desses filmes. Um deles se passava na época da ascensão do nazismo. Os protagonistas eram dois meninos que viviam numa casa de cômodos. Um era judeu, o outro não. Para melhorar a situação da família, este entra para a juventude nazista. A fita tratava de valores éticos e, principalmente, de amizade, além de servir para os alemães purgarem suas culpas.
                O outro filme abordava o problema dos jovens delinqüentes alemães. Seu realizador, além de cineasta, era psicólogo numa instituição que abrigava menores infratores. Os atores eram os próprios garotos atendidos aí e as filmagens foram feitas no local.
                Custava crer que aqueles quartos para dois meninos, com livros, camas cobertas, luminárias e janelas abertas, fosse um lugar de recolhimento de menores que haviam cometido algum tipo de delito. 
                Um dos meninos, o mais velho e mais canchero, tocava violão e quando se mandava do abrigo levava o instrumento sujeito às costas com uma faixa à moda dos hippies. Sim, ele se mandava de lá. Não fugia, se mandava e ia buscar as ruas e a liberdade de ser vagabundo. Mas, sempre voltava. Ou por modo próprio ou levado pela polícia. Era uma espécie de herói para os outros.
                Na época em que assisti esse filme, fazia muito sucesso nas telas comerciais a fita “Pixote, a lei do mais fraco”. Lembro que quando acabou a exibição, eu ia saindo da cinemateca, quando ouvi o comentário de outro espectador:_ É o Pixote alemão! E ele ria muito do que achava ser uma grande tirada sua. Não havia do que rir. Para nós, brasileiros, o filme alemão e o filme nacional deveriam ser um soco no estômago, deveriam mexer com nossas consciências e nossas tripas, principalmente quando comparadas as duas realidades.
                Vivíamos no Brasil, a realidade da FEBEM, que anos mais tarde, para melhorar as condições de recolhimento de nossos jovens infratores, tomou uma medida extrema; mudou de nome. Hoje se chama FUNABEM. Mas os meninos e meninas que para lá vão, continuam sendo jogados em pocilgas superlotadas, à mercê de maus tratos e toda espécie de abusos. Não há nada que possa parecer com um programa de reabilitação. Nenhuma política educativa e muito menos apoio psicológico.
               O que mudou daqueles tempos para os dias atuais, foi a maneira como nossa sociedade vê o problema do menor infrator. Já não há lugar para os gracejos torpes, para as piadas infelizes. Não. O que vemos hoje é a histeria coletiva, o ódio irracional e as falácias que são disseminadas pelos programas policialescos de TV e pelas redes sociais.
                Cada vez que um menor de idade comete um crime, desde que seja pobre, favelado ou negro, os oportunistas de sempre voltam a falar na diminuição da maioridade penal. O assunto dá audiência na TV e gera votos. Nossa classe média, saudosa de pelourinhos e chibatas, apóia qualquer medida punitiva e pouco se importa com a reabilitação de quem errou. Pelo contrário. A classe média e os políticos conservadores que ela apóia, vêem a degradação física e moral do menor infrator como algo salutar para a sociedade. Mas querem mais.
                Outra novidade de nossos tempos é a adesão dos evangélicos à tese do rebaixamento da maioridade penal. É o caso do Senador Magno Malta. Entre um coice e outro, Malta, quando não está ocupado tentando intimidar jornalistas que investigam sua prodigalidade com passagens aéreas pagas com nosso dinheiro, relincha pela diminuição da maioridade penal. Esse tipo de apelo sempre deu resultado nas urnas. Assim foi para Amaral Neto.
                Político conservador e puxa-saco da ditadura, Amoral Nato não tinha projetos nem propostas, mas se elegia seguidamente com uma única bandeira: a adoção da pena de morte.
                Nas redes sociais, as postagens que defendem a tese do rebaixamento da maioridade penal já não são exclusividade dos milicos de pijama, dos racistas confessos e enrustidos nem dos que sentem prazer em esculachar pobres e favelados. O que temos visto são pessoas que professam a fé cristã-evangélica apoiando os apresentadores de TV e políticos oportunistas que fazem da tese alavanca de audiência e chamariz de votos. Assim demonstram seu amor cristão. Aliás, não é tanta novidade assim, afinal os cristãos, em outros tempos, apoiaram as fogueiras santas, o genocídio indígena e a escravidão.
               Na última postagem desse tipo que vi, estava a foto do apresentador de TV e jornalista sensacionalista, Marcelo Rezende. Ele é agora um dos fervorosos defensores da redução da maioridade penal. A postagem era de uma moça evangélica e pedia compartilhamento.
               Em sua página no R7, Marcelo Rezende aborda esse assunto quase que com exclusividade. Claro, ele quer o público do Datena. Dá pra entender. O que estarrece são os comentários dos leitores. Pelo geral, os mesmos leitores que são contra o sistema de cotas nas universidades e odeiam as políticas sociais do governo.

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