domingo, 20 de outubro de 2013

Biografias não autorizadas


Muitas vezes fui para frente da televisão acompanhar julgamentos do Supremo com opinião já formada. As havia concebido confrontando os dados de que dispunha com minhas íntimas convicções e muitas vezes, após ouvir os doutos pareceres de Suas Excelências, tive de botar minha viola no saco. E por um fato muito simples: eu desconhecia vários fatores envolvidos nas questões. Desconhecia preceitos constitucionais que não podiam ser superados, desconhecia as implicações futuras de certas decisões. Ou seja, eu não estava apto a me posicionar por pura ignorância.
Agora surge o tema das biografias que em breve merecerá apreciação daquela colenda corte. Trata-se de uma ação direta de inconstitucionalidade impetrada pelos editores, através de sua associação, que contesta os artigos 20 e 21 da lei 10.406 de 2002.
Até bem pouco tempo eu estava convicto que bastaria ser utilizado o mesmo critério que é usado nos EE.UU para pôr fim a celeuma que aqui estava se instalando. Bastaria, pensava, que as biografias não autorizadas exibissem em suas capas os dizeres “biografia não autorizada” para que  o leitor fosse alertado para o fato que o autor não dispusera de documentos pessoais do biografado para a confecção da obra, que não o entrevistara nem contara com depoimentos de seus parentes e amigos. Que o que ali estava escrito, poderia não passar de especulação ou simples sensacionalismo. Eu estava pensando no leitor e no direito de livre expressão dos escritores biógrafos. Tinha me esquecido dos prováveis biografados, de seu direito à privacidade
Pensava exclusivamente nos escritores sérios, no público leitor que ambiciona umas belas páginas sobre alguém que lhe desperte a admiração. Nada mais ingênuo, nada mais Polyana do que esse meu raciocínio. Esses escritores são raros, esse público é ínfimo.
Nos últimos dias deixei de ter qualquer certeza com relação ao tema. Se por um lado pense que qualquer cerceamento à liberdade de expressão seja um atentado contra a democracia, não posso deixar de considerar o direito individual à privacidade, que também alicerça essa mesma democracia.
Ademais os argumentos dos que apóiam o pleito dos editores têm me deixado perplexo. Veja se não é para perplexidade o que argumenta Jorge Maranhão em artigo publicado no sítio Congresso em foco. Diz o publicitário:_ “...que acima de tudo são personagens públicos. E que ganharam e ganham a vida tendo como base essa mesma publicidade”.
Ora, nada mais falso, nada mais falacioso. Artistas de fato, jogadores de futebol e outros personagens ganham a vida com a publicidade de seus talentos, não de suas vidas. Quem torna pública a vida privada das pessoas são os fabricantes de fofocas, os artesãos do disse me disse, os desprovidos de habilidades que vivem a custa do que outros fazem, os que alimentam a voracidade de um público idiotizado, que por falta de vida interior, fuça as debilidades alheias em busca de consolo para suas próprias frustrações.
Em outra matéria do mesmo sítio, o chato de galochas, Celso Lungaretti, aporta mais uma tolice para argumentar em nome da liberdade de expressão que, cá entre nós, é matéria nobre o bastante para merecer melhor advogado. O paraninfo de todos os pentelhos assim se expressa:_”E o direito do cidadão comum, de ser informado sobre o que realmente são e fazem aqueles que ganham rios de dinheiro por terem os holofotes da mídia voltados em sua direção, onde é que fica?”
Puta que o pariu, que direito é esse que eu desconheço? Quem me dá tal direito? Em quais códices, em que jurisprudência está escrito ou dito que eu tenho o direito de saber quem comeu quem ou qual o livro preferido de alguém?
Quem vive de fornecer essas informações são os cantores de um disco só, os jogadores de futebol que só jogam no DVD, os falsos artistas das novelas das 8, os apresentadores de programas popularescos de auditório. Enfim, as celebridades dos dias atuais.
Nunca fui dos que dizem que fariam novamente tudo o que fizeram. Se pudesse, eu reformaria minha vida a partir dos 12 anos. Há tanta coisa que me envergonho de ter feito, tantos fatos que jamais revelo, tantas dores que prefiro ocultar até mesmo do espelho sem luz de minha consciência. Por ser anônimo gozo desse direito. O direito de preservar minhas vilezas dos olhares alheios.
Não creio que alguém por ser famoso vá ter sentimentos diferentes dos meus, que não vá querer preservar, ou mesmo esconder, fatos de sua vida que lhe traga pejo. Claro, assim como outros que são anônimos, há os famosos que não se importam, ou até mesmo preferem purgar seus pecados na praça pública das edições bem encadernadas. Não tiro a razão de ninguém.
Por mim, abdico dos direitos de que fala Lungaretti. Mas sigo procurando saber para, quem sabe, ir para frente da televisão com opinião formada quando o caso das biografias não autorizadas for a julgamento.





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