Muitas vezes fui
para frente da televisão acompanhar julgamentos do Supremo com opinião já
formada. As havia concebido confrontando os dados de que dispunha com minhas
íntimas convicções e muitas vezes, após ouvir os doutos pareceres de Suas
Excelências, tive de botar minha viola no saco. E por um fato muito simples: eu
desconhecia vários fatores envolvidos nas questões. Desconhecia preceitos
constitucionais que não podiam ser superados, desconhecia as implicações
futuras de certas decisões. Ou seja, eu não estava apto a me posicionar por
pura ignorância.
Agora surge o
tema das biografias que em breve merecerá apreciação daquela colenda corte. Trata-se
de uma ação direta de inconstitucionalidade impetrada pelos editores, através
de sua associação, que contesta os artigos 20 e 21 da lei 10.406 de 2002.
Até bem pouco
tempo eu estava convicto que bastaria ser utilizado o mesmo critério que é
usado nos EE.UU para pôr fim a celeuma que aqui estava se instalando. Bastaria,
pensava, que as biografias não autorizadas exibissem em suas capas os dizeres
“biografia não autorizada” para que o
leitor fosse alertado para o fato que o autor não dispusera de documentos
pessoais do biografado para a confecção da obra, que não o entrevistara nem contara
com depoimentos de seus parentes e amigos. Que o que ali estava escrito,
poderia não passar de especulação ou simples sensacionalismo. Eu estava
pensando no leitor e no direito de livre expressão dos escritores biógrafos. Tinha
me esquecido dos prováveis biografados, de seu direito à privacidade.
Pensava exclusivamente nos escritores sérios, no público leitor
que ambiciona umas belas páginas sobre alguém que lhe desperte a admiração.
Nada mais ingênuo, nada mais Polyana do que esse meu raciocínio. Esses escritores são raros, esse público é ínfimo.
Nos últimos dias
deixei de ter qualquer certeza com relação ao tema. Se por um lado pense que qualquer
cerceamento à liberdade de expressão seja um atentado contra a democracia, não
posso deixar de considerar o direito individual à privacidade, que também
alicerça essa mesma democracia.
Ademais os
argumentos dos que apóiam o pleito dos editores têm me deixado perplexo. Veja
se não é para perplexidade o que argumenta Jorge Maranhão em artigo publicado
no sítio Congresso em foco. Diz o publicitário:_ “...que acima de tudo são
personagens públicos. E que ganharam e ganham a vida tendo como base essa mesma
publicidade”.
Ora, nada mais
falso, nada mais falacioso. Artistas de fato, jogadores de futebol e outros
personagens ganham a vida com a publicidade de seus talentos, não de suas
vidas. Quem torna pública a vida privada das pessoas são os fabricantes de
fofocas, os artesãos do disse me disse, os desprovidos de habilidades que vivem
a custa do que outros fazem, os que alimentam a voracidade de um público
idiotizado, que por falta de vida interior, fuça as debilidades alheias em busca
de consolo para suas próprias frustrações.
Em outra matéria
do mesmo sítio, o chato de galochas, Celso Lungaretti, aporta mais uma tolice
para argumentar em nome da liberdade de expressão que, cá entre nós, é matéria
nobre o bastante para merecer melhor advogado. O paraninfo de todos os pentelhos
assim se expressa:_”E o direito do cidadão comum, de ser informado sobre o que
realmente são e fazem aqueles que ganham rios de dinheiro por terem os
holofotes da mídia voltados em sua direção, onde é que fica?”
Puta que o
pariu, que direito é esse que eu desconheço? Quem me dá tal direito? Em quais
códices, em que jurisprudência está escrito ou dito que eu tenho o direito de
saber quem comeu quem ou qual o livro preferido de alguém?
Quem vive de
fornecer essas informações são os cantores de um disco só, os jogadores de
futebol que só jogam no DVD, os falsos artistas das novelas das 8, os
apresentadores de programas popularescos de auditório. Enfim, as celebridades
dos dias atuais.
Nunca fui dos
que dizem que fariam novamente tudo o que fizeram. Se pudesse, eu reformaria
minha vida a partir dos 12 anos. Há tanta coisa que me envergonho de ter feito,
tantos fatos que jamais revelo, tantas dores que prefiro ocultar até mesmo do
espelho sem luz de minha consciência. Por ser anônimo gozo desse direito. O
direito de preservar minhas vilezas dos olhares alheios.
Não creio que alguém
por ser famoso vá ter sentimentos diferentes dos meus, que não vá querer
preservar, ou mesmo esconder, fatos de sua vida que lhe traga pejo. Claro,
assim como outros que são anônimos, há os famosos que não se importam, ou até
mesmo preferem purgar seus pecados na praça pública das edições bem
encadernadas. Não tiro a razão de ninguém.
Por mim, abdico
dos direitos de que fala Lungaretti. Mas sigo procurando saber para, quem sabe,
ir para frente da televisão com opinião formada quando o caso das biografias
não autorizadas for a julgamento.
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